Guia Negro de Vitória: oito dicas de cultura e turismo

A população negra de Vitória chega aos 51% (soma das pessoas que se declaram de cor preta ou parda). Mas quando se anda nas ruas e se pergunta sobre referências da cultura e história negra, a resposta é a mesma de outras cidades brasileiras. “Tem pouco”, “muita coisa foi apagada”, “aqui isso não existe”. Mas um olhar mais apurado permite entender que a capital do Espírito Santo tem uma história rica e viva da presença dos negros. Um dos lugares emblemáticos é a Escadaria Maria Ortiz, no centro histórico de Vitória, era chamada de Ladeira do Pelourinho, local onde pessoas escravizadas eram torturadas quando cometiam atos considerados criminosos por seus senhores. Preparamos o Guia Negro de Vitória com oito dicas. Confira:

1 – Museu Capixaba do Negro (Mucane)
Desde 1993 um museu no centro de Vitória é dedicado à cultura e história negra. Pertence à Prefeitura de Vitória e é gratuito. O Guia Negro visitou o local em julho de 2019 e a exposição permanente estava em manutenção. Nenhuma atividade ou visita guiada era oferecida e a história do espaço tampouco recebe uma mostra. O museu conta com auditório, biblioteca, palco, salas multiuso, além de espaço expositivo. Apesar da falta de atenção da prefeitura, o lugar é palco de encontros de artistas e militantes do movimento negro. Entre as obras do museu estão artistas locais como Kica Carvalho, Charlene Bicalho e Castieu Vitorino. Por lá, também funciona o Movimento Negro Unificado (MNU) e há lançamento de livros, colônia de férias, grupos de estudo e atividades voltadas para a população negra, como dança afro. De terça a domingo, das 12h às 19h. Gratuito. Fica na Avenida República, 119, 2º Andar, no centro de Vitória.

2 – Bar da Zilda

Coordenado por Zilda Antônia de Aquino, reúne apresentações de samba, cerveja gelada e gente bonita. Maior ponto de encontro e celebração da negritude de Vitória. Em muitos dias a concentração de pessoas invade a rua e segue madrugada adentro. Reúne as principais bandas de samba, passando pelo pagode, partido alto até o tipicamente capixaba. Também são servidos almoços em que o feijão tropeiro e o vinagrete de caranguejo são destaques. O cardápio varia a cada fim de semana e é divulgado no Facebook (https://www.facebook.com/pg/bardazildabercoficial) e Instagram (@bardazilda) semanalmente. Funciona sábado e domingo e feriados para almoço, a partir das 12h. E sexta, sábado e domingo a partir das 21h. O bar fica na Rua Maria Saraiva, 30, Centro.

3 – Paneleiras de Goiabeiras

Ocupado por muitas mulheres negras, o galpão dá a possibilidade de ver de perto a fabricação artesanal das panelas de barro, ofício das paneleiras de Goiabeiras, constituindo um saber passado por gerações há mais de 400 anos. A técnica utilizada é de origem indígena, caracterizada por modelagem manual, queima a céu aberto e aplicação da tintura de tanino. Esse saber foi apropriado dos índios, por colonos e descendentes de escravos que vieram ocupar a margem do manguezal da capital. O ofício das paneleiras foi reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro, registrado em 2000, no Livro dos Saberes, do Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan). A panela de barro de Goiabeiras, a torta e a moqueca capixabas são ícones da identidade local. Há uma área de chão dedicada à queima das panelas. Fica na Rua Leopoldo Gomes Salles, 55, Goiabeiras, Vitória. Funciona de segunda a sábado, das 8 horas às 18h30. Tel: (27) 3327-0519.

4 – Vila Rubim

É o local onde os pescadores, ao chegar do mar, vendem suas pescas. Após ficar um período um pouco abandonado, foi revitalizado e hoje o Mercadão da Vila Rubim comercializa além de pescados, temperos, artigos religiosos, produtos naturais, grãos, bebidas, embalagens, hortifruti e açougue, além de abrigar rodas de samba aos sábados. Funciona das 7h30 às 18h30 e no sábado das 7h30 às 17h30. Fica na Rua Orlando Rocha, 83, Vila Rubim, Vitória. Mais informações em: http://www.mercadaodavila.com.br/

5 – Igreja São José do Queimado

Fica em Serra, cidade da Grande Vitória e, apesar de estar em ruínas é um local histórico para os negros da região. O estado de deterioração do local é mais uma tentativa de apagamento da história dos negros da cidade e hoje passa por obra de restauração. Foi palco de uma insurreição de escravos liderada pelos heróis Chico Prego, João da Viúva e Elisiário, em 1849. Foi tombado como patrimônio histórico estadual em 1993. A restauração pretende transformar as ruínas em um museu a céu aberto. Em 19 de março de 1849, escravos de São José do Queimado, hoje distrito de Queimado, se revoltaram por causa de uma promessa do frei italiano Gregório José Maria de Bene. Se os escravos construíssem a igreja de São José, teriam alforria, mas isso não aconteceu. Houve então a Insurreição do Queimado. Mais de 300 homens, mulheres e até crianças participaram desta rebelião que articulava para tomar a liberdade com as próprias mãos. Os rebelados foram presos e julgados, cinco deles condenados à morte. Um dos líderes da Revolta, Elisiário, escapou da cadeia e refugiou-se nas matas do Morro do Mestre Álvaro e nunca mais foi recapturado. Chico Prego foi capturado e enforcado, em 11 de janeiro de 1850. Hoje, ele nomeia a Lei de Incentivo Cultural do Município de Serra. As ruínas ficam no distrito de Queimados, em Serra, a 25 quilômetros de Vitória. A rua de terra que dá acesso não tem nome, mas se colocar no GPS, Igreja São José do Queimado ou perguntar aos moradores é fácil de localizar.

6 – Quilombo em Santa Leopoldina

A Comunidade Quilombola de Retiro está localizada no município de Santa Leopoldina, a 50 quilômetros de Vitória. Da cidade, são cerca de cinco quilômetros na entrada de Barra de Mangaraí. A comunidade é formada por cerca de 300 descendentes do ex-escravizado Benvindo Pereira dos Anjos. Ao visitar Retiro é possível conhecer a cultura quilombola, por meio da sua história de luta, seu modo de vida, suas casas de pau-a-pique, os quitungos, a banda de congo, o grupo cultural Quilomblack, os artesanatos e ainda poder desfrutar dos quitutes quilombolas. Veja mais aqui. 

7 – Parque Moscoso

Fica próximo do Mucane, numa área central da cidade de Vitória e abriga pessoas em busca de lazer e descanso. É ponto de encontro dos trabalhadores do centro, muitos deles negros. O parque também foi palco de uma história curiosa: os “enfezados”, pessoas que circulavam pelas ruas da capital no século XIX carregando tonéis – conhecidos como “Tigres” – que recolhiam fezes e dejetos nas janelas das casas. Para amenizar a desagradável situação das ruas de Vitória, existiam pessoas para realizar o recolhimento das fezes. O serviço era executado por escravizados recém-libertos, que recebiam um vintém pelo trabalho. Os locais preferidos para jogar os dejetos eram o cais de São Francisco, saída da Cidade Alta para o mar onde hoje situa-se a rua General Osório, e também o “beco Manoel Alves”, também conhecido como “lata do mangal”, área de manguezal onde hoje é edificado o Parque Moscoso. Um dos trabalhadores mais famosos era Mané Cocô, como era conhecido Manoel de Oliveira Dias.

8 – Igreja Nossa Senhora do Rosário e Museu São Benedito do Rosário

Erguida em dois anos pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi inaugurada em 1765. A entrada principal é acessada por uma extensa escadaria, na época voltada para o mar. Um cemitério foi construído ao lado da Igreja, garantindo enterro para os irmãos negros, já que os cemitérios públicos não os aceitavam, fossem alforriados ou escravizados. Em 1833, a imagem de São Benedito foi roubada do Convento de São Francisco e levada para a Igreja do Rosário. Este fato deu início as famosas disputas entre Peroás e Caramurus, como eram denominados os membros das irmandades. Tombada como patrimônio histórico nacional, a igreja mantém as características originais da fachada colonial e o frontão barroco, além do cemitério e dos ossários em seus corredores. Ao lado, foi construída a “Casa de Leilão”, que tinha como função arrecadar verbas para comprar a alforria de escravizados. Visitas monitoradas e gratuitas ocorrem de quarta a domingo, inclusive feriados, das 13h às 17h. Já o Museu São Benedito do Rosário fica no andar de cima da igreja e resgata a história de peroás e caramurus, apresentando imagens e peças utilizadas pela Irmandade de São Benedito, inclusive antigas vestes e um andor que pesa cerca de 400 quilos, usados pelos fiéis durante as famosas procissões. Fica na Rua do Rosário, Cidade Alta, centro de Vitória. Na cidade vizinha, Serra, a Festa de São Benedito é uma das mais tradicionais do Espírito Santo e acontece na Igreja Matriz no dia 26 de dezembro.

Se você é de Vitória ou conhece a cidade e quer dar mais dicas, deixe um comentário. Em breve, teremos novos roteiros de outras capitais brasileiras.

*Por Guilherme Soares Dias, com dicas de Ale Adão e André Felix

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Redação

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