Capital da região do pacífico colombiano, a cidade de Cali costuma se autoproclamar como a segunda cidade mais negra na América Latina, perderia apenas para Salvador. Para além dos números e possíveis controvérsias, a diversidade cultural e a negritude estão presentes em todas as partes, inclusive, no jeito descolado dos calleños, o que faz visitantes brasileiros, principalmente, os negros, se sentirem em casa.
Cali é uma cidade quente, mas todo os dias à tarde recebe vento úmido vindo do oceano Pacífico. Além do brisa, o mar, distante cerca de 100 quilômetros, gera influência na música e nas comidas vindas da costa e que definem a identidade local.
Uma das mais importantes é o viche, bebida destilada feita de cana-de-açúcar como a cachaça brasileira, que é fabricada por “abuelas negras”, que já chegou a ser proibido (como muitas manifestações culturais negras) e há dois anos se tornou patrimônio nacional.
VICHE POSITIVO
O viche é usado pelas parteiras para acalmar as mães e também para comemorar o nascimento dos bebês. É uma cura espiritual e física para diferentes problemas de saúde ao longo da vida. Ingerido em festas e comemorações e também nos velórios. Uma bebida fundamental nas passagens e movimentos da vida.
Na época em que foi proibido, ficava escondido sob a terra para não ser descoberto, fazendo nascer a variação “curada”. São vários os tipos de viche: o com noz moscada, chamado de pipilongo, é considerado afrodisíaco, enquanto o tomaseco é tomado pelas mulheres para cuidar da região do ventre. Muitas pessoas tomam dois shosts diários da bebida, um pela manhã e outro pela noite.
A comunidade Timbiqui, as margens do Pacífico, é um dos lugares de produção de Viche e de músicas tradicionais. Uma das cantoras da região era conhecida como La negra Oliva, que além de cantar acompanhada de tocadores de marimba (o piano da selva), produzia seu próprio viche.
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Sua filha, Nidia Gongora (foto), herdou os dons da mãe e abriu o Viche Positivo, um restaurante em Cali nos arredores do mercado público La Alameda (que também é visita obrigatória), em que é possível se deliciar com as comidas e com o viche, além de levar garrafas para casa. “Todo saber era um temor de ameaça”, conta ela, lembrando que aqueles que sabiam tocar marimba podia ser mutilado.
Quando o assunto é comida, é comum as refeições serem precedidas por uma sopa. A de Changua traz mariscos e queijo. O milho e a batata são onipresentes nas refeições, assim como camarões e frutos do mar. Não deixe de experimentar arepa, champu, lulada, chontaduro e boñuelo.
SALSA
Cali Pachanguero é um dos hinos musicais da cidade que é chamada de capital da Salsa. O ritmo nasceu em Cuba e os artistas de Porto Rico o tornaram popular nos Estados Unidos. O sinal das rádios caribenhas chegava a Cali, ajudando a difundir o ritmo. Hoje, são 180 escolas de salsa espalhadas pela cidade e 350 salsotecas (discotecas onde se escuta salsa). “Aqui se vive mais salsa do que em qualquer lugar do mundo”, garante nosso guia no Museu da Salsa.
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Entre os famosos bailarinos do ritmo, está Andres Castilho, que já fez turnê com Jenifer Lopez e hoje se apresenta no El Mulato Cabaret, um local de show de salsa, bastante frequentado pelos turistas.
MONUMENTO NICHE
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A escultura feita por Freddy Pantoja em homenagem ao fundador do Grupo Niche, Jairo Varela fica em frente ao Centro Administrativo Municipal, na pequena praça que leva o nome do maior ícone da salsa de Cali. Cinco trompetes formam a palavra “Niche” e emitem músicas, além de contar suas histórias. Um belo lugar para uma foto.
FESTIVAL PETRONIO ALVAREZ
Em agosto, as cidades e bairros são tomadas pelas chamadas festas patronales, as festas folclóricas. A mais famosa é o Festival Petrônio Alvarez, que ocorre próximo ao dia 15 (em 2024 será de 14 a 19 de agosto), dura cinco dias e reúne cerca de 500 mil pessoas, sendo o maior festival de cultura negra da América Latina.
Petronio foi um maquinista de trem que cantava durante suas viagens e foi homenageado com o nome do festival. O encontro é uma celebração da música, da gastronomia e dos costumes do pacífico.
BAIRRO DE SANTO ANTONIO
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O bairro de Santo Antonio é um dos mais antigos da cidade, preservando suas casas antigas, cheio de cafés, restaurantes, lojinhas e grafites. Um bom lugar para ficar hospedado, ou simplesmente sair caminhando e se perdendo enquanto passeia. Entre os destaques está o Café Macondo, que homenageia o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, além de ter jazz e sessões de cinema. Já o La Linterna é responsável pela impressão de lambes e realiza o trabalho de maneira artesanal. É uma ótima lembrança de viagem.
Entre os restaurantes, destaque para Domingo Vereda, que serve “paisagens comestíveis” e deliciosas, preparadas pela chef Catalina Velez. Já o Waunana Restaurante serve comida colombiana e troca todo o cardápio a cada 4 meses.
Ir até o Parque Santonio, onde fica a igreja de mesmo nome, é uma oportunidade de ver o bairro e a cidade do alto. No seu entorno, há feirinhas, além de lojas e restaurantes.
TELEFÉRICO
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O Teleférico de Cali leva para as favelas que ficam em morros, num cenário que lembra o Brasil, mas é infinitamente mais silencioso: as ruas não têm motos barulhentas, cachorros ou sons altos como por aqui. São três paradas do transporte público e cada uma delas é uma espécie de museu: sobre salsa, aves e lendas locais. Vale o passeio e apreciar a vista.
BELEZAS NATURAIS
Um dos atrativos do país é a observação de aves, uma vez que a Colômbia é internacionalmente reconhecida por sua biodiversidade única e por abrigar o maior número de aves, com cerca de 1921 espécies, representando 20% das aves do mundo. A região do Pacífico possui cerca de 650 espécies de aves, entre elas estão o Chacurú Barreado (Bucco noanamae); Oropéndola del Baudó (Psarocolius cassini); Mielero verde (Chlorophanes spiza) e Cotinga Azul (Cotinga nattererii).
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No Mariposario Andoke, que fica nos arredores de Cali, é possível observar as borboletas, seres fugazes e lindos. As mariposas vivem cerca de 4 meses, levando até um mês para sair do casulo e encantar com seus voos leves e coloridos. No país, são cerca de 4 mil espécies.
BUENAVENTURA
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A cidade de 500 mil habitantes, tem cerca de 90% da população negra e é o principal porto do Pacífico, e está localizada a cerca de 2 horas de Cali. Por lá, é possível acessar por lanchas comunidades costeiras como Guanchaco e Timbiqui.
No Centro Cultural Kalunga, são preservadas as tradições do pacífico. A gerente e fundadora do espaço, Noemi Valencia, lembra que “as pessoas negras vivem uma pandemia a vida toda”, em referência as dificuldades e desafios comuns entre os afrodescendentes.
Os kalungas eram povos bantos que vieram para a região do pacífico e significa “pedaço do mar, tudo que nos rodeira e que é possível viver”. Hoje o centro serve comida, tem apresentações musicais e preserva ervas e grafites que homenageiam a cultura local.
*O Guia Negro viajou a convite da Proexport Colômbia
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