Cemitério de escravizados em Salvador tem escavações e primeiros vestígios encontrados

A escavação arqueológica de um antigo cemitério de pessoas escravizadas em Salvador, localizado no Complexo da Pupileira da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, começaram na última quarta-feira, 14 de maio. O local, identificado a partir de uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Universidade Federal da Bahia (UFBA), representa uma evidência material da presença e resistência negra na capital baiana, mas que foi sistematicamente apagado da cidade e da memória das pessoas.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) acompanha os trabalhos por meio de sua Superintendência na Bahia, em parceria com pesquisadores da UFBA. A investigação arqueológica representa a valorização das heranças africanas e afro-brasileiras, especialmente em contextos urbanos marcados por processos históricos de invisibilização dessas memórias. 

Para marcar o início dos trabalhos, foi realizado um ato interreligioso com a presença de lideranças de matrizes africanas, representantes de diferentes confissões religiosas, pesquisadores, autoridades e membros da sociedade civil. O momento foi de respeito, memória e espiritualidade, em honra às pessoas sepultadas no local e aos ancestrais que resistiram à escravidão. 

A data escolhida é simbólica, já que neste 14 de maio, completam-se 190 anos da morte de mártires da Revolta dos Malês — insurreição protagonizada por africanos muçulmanos escravizados e libertos, ocorrida em Salvador em 1835, e que provavelmente teve seus líderes enterrados no cemitério. Além disso, o 13 de maio marca a abolição da escravatura.  

Para o arqueólogo do Iphan, Alex Colpas, a pesquisa arqueológica ajuda a resgatar a memória de pessoas que foram escravizadas e que tiveram suas histórias apagadas pela violência da escravidão. “É uma forma de dar voz àqueles que foram silenciados e de reconhecer sua importância na construção da História do Brasil, permitindo um entendimento mais profundo e completo do período da escravização, revelando detalhes sobre as condições de vida, sofrimento e resistência dos africanos escravizados”, frisou. 

Ele pontuou ainda que, para além da História, a pesquisa fortalece a identidade e o orgulho das comunidades negras, que podem se conectar com seus antepassados e suas histórias. “Deste modo, serve também como um instrumento de educação e conscientização sobre o racismo e a discriminação, que ainda são presentes na sociedade brasileira”, disse ele. 

Ato religioso marcou o início das escavações do cemitério

De acordo com a pesquisa da arquiteta e urbanista responsável pela descoberta e autora da tese de doutorado, Silvana Olivieri, o cemitério teria funcionado durante 150 anos, entre os séculos 18 e 19, como um espaço destinado ao sepultamento de pessoas escravizadas que faleciam em Salvador. As escavações devem contribuir para o conhecimento sobre os modos de vida, as práticas funerárias e as dinâmicas sociais da época. 

“Os sepultamentos eram realizados em valas comuns e superficiais, geralmente em condições bastante precárias e indignas, sem nenhuma cerimônia religiosa ou rito fúnebre, nem há registro de capela”, apontou SIlvana.

A área foi comprada pela Santa Casa, que instalou no local a sua sede, e transferiu sepultamentos para o Campo Santo, que ainda administra. Hoje, o terreno que abrigava o cemitério é sede administrativa da Santa Casa, faculdade e também recebe eventos e shows.

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Redação

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