Com quase 100 anos, Festa de Congado e Moçambique marca Piedade do Rio Grande (MG)

Francival Araújo de Sousa*

Há quase 100 anos, acontece no pequeno município mineiro de Piedade do Rio Grande a Festa de Congado e Moçambique da Associação de Congada e Moçambique Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora das Mercês,
fundada em 10 de junho 1928. Em 2025, a festa ocorre nos dias 23, 24 e 25 de maio na cidade que fica no sul de Minas Gerais, próxima a Juiz de Fora, sempre com shows após os ritos católicos.

A história se inicia em 1926 quando João Lotério foi convidado por seu amigo festeiro João Eugênio para participar da tradicional e longeva Festa de Congado e Moçambique no município vizinho de Ibertioga, a 33 quilômetros de sua cidade natal.

João Eugênio participou das festividades do Rosário na cidade vizinha por dois anos. Contagiado pela emoção e
também por se sentir conectado com os saberes Congado e Moçambique, aprendeu fundamentos, ritos religiosos, danças e ritmo. Deste modo, decidiu fundar um grupo de Congada e Moçambique, em seu município.
Entusiasmado convidou amigos, parentes e simpatizantes para se adentrar nessa jornada sobre os saberes do Rosário.

Hoje, são três dias de festividades e devoção aos santos católicos sincretizados ao longo dos tempos, São Benedito, Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Rosário. No primeiro dia é cultuado São Benedito, santo preto que se relaciona com o período do cativeiro, santo que foi cativo por sua origem africana. No segundo dia Nossa Senhora das Mercês, uma das designações atribuída a Virgem Maria, a libertadora de
qualquer tipo de escravidão. No terceiro e último Nossa Senhora do Rosário, a padroeira do Congado.

João Lotério ensinou, aprendeu, viveu e, principalmente, se aliou com outros descendentes de escravizados para assim darem segmentos a essa longeva instituição cultural religiosa afro-mineira-brasileira. Toda essa unidade negra piedadense coligada e independente, funda e posteriormente cria uma festa, feita totalmente com donativos e com arrecadação de prendas que eram leiloadas. O leilão acontecia anualmente na cidade em prol do grupo. A distância temporal fez com que o grupo se adaptasse às mudanças naturais que acontecem devido a
longevidade, isso tudo para se manterem vivos e presentes. Hoje, as doações são feitas por PIX: CNPJ: 20420337/0001-65.

O tempo presente suscita questionamentos sobre como esses homens e mulheres negras tiveram que manter as suas relações com uma sociedade que utilizava e continua a usar a viseira de uma democracia racial. A Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande, perpassa o campo da existência física. Existir dialoga com o campo da fala, da narrativa e do espírito. São corpos negros falantes, corpos marginalizados, corpos vivos, acima de tudo, corpos sencientes.

O ‘Kọ kina’ é uma palavra iorubá que significa aprender, adquirir, escrever, ensinar e cantar. A palavra é semelhante a umas das cantadas pelo grupo em um determinado momento da apresentação e nos faz observar que o resistir faz referência à luta. A contenda contra as imposições do Estado, da Igreja, que ao longo da história desse país vêm tentando deslegitimar movimentos negros culturais religiosos.

A Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande mostra como a unidade negra local, ainda continua sendo uma instituição fundamental para a vida desse corpos negros esquecidos pela nação em qual vivem. Esta é a face de um movimento plural, que baseado no amor, na sabedoria, na tradição, na religiosidade, e também na força ancestral desses homens e mulheres vêm reafirmando seus compromissos nesta nonagésima sétima Festa de Maio*.

*A Festa de Maio é o nome que se refere à Festa de Congado e Moçambique de Piedade do Rio Grande. As festividades ocorreram em um primeiro momento no mês de outubro, o mês da padroeira do grupo Na Senhora do Rosário. Teve-se essa alteração devido às fortes chuvas dos tempos das águas. Pois passou-se a ser inviável organizar a festa neste mês, devido às roupas brancas utilizadas pelos membros do grupo.

Hoje o evento é conhecido também como a Festa do Retorno, uma vez que boa parte dos nascidos na região foram obrigados a migrar para cidades maiores em busca de trabalho e melhor renda. Retornam as suas origens e rememoram os ancestrais que aqui passaram dão seguimento na entidade nos dias atuais

*Membro do grupo há 15 anos

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Redação

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