Eroldina Soares nasceu em 25 de julho de 1936, em uma fazenda chamada Braunal na borda do Brasil com o Paraguai. Neta de uma escravizada liberta, chamada Vitória, ela nunca admitiu ser chamada de negra, prefere “morena”, mas é o símbolo da luta dessas mulheres e vítima do racismo estrutural e estruturante da nossa sociedade. Ela faz parte da geração que migrou do campo para a cidade, é resistência, sabedoria, alegria e fortaleza. Enfrentou um marido machista, a fome, enchentes, aguentou ser empregada doméstica por anos, conviveu com a solidão da mulher negra, com um cabelo que estava fora dos padrões de beleza, mas seguiu sua trajetória dançando, sorrindo e ensinando o que era bem viver na prática.
Desde 1992, o 25 de julho também marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha, quando ocorreu o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingos, República Dominicana, como marco internacional da luta e da resistência da mulher negra. Em 2015, a marcha das mulheres negras no Brasil levou mais de 50 mil mulheres em todo Brasil. Desde então, atos ocorrem em várias capitais todos os anos nessa data.
Hoje em São Paulo, às 17h30 uma concentração parte da Praça da República numa manifestação contra os retrocessos políticos e o bem viver. Enquanto Juliana Gonçalves, Cinthia Gomes, Neon Cunha e tantas mulheres negras estiverem unidas em marcha em São Paulo, Eroldina deve festejar seu aniversário em Campo Grande com bolo, música e um sorriso no rosto, que ela nunca abandonou, apesar de tantas intempéries ao longo dos anos.
Guerreira. Eroldina perdeu a mãe, Celina, aos 10 anos, que faleceu quando o décimo quarto filho nasceu. O pai, Guilherme, que era capataz de fazenda foi morto seis meses depois por um homem que se vingou por ele não ter permitido que dançasse em um dos bailes do local. Ela brincava de boneca de trapo e com os animais, quando teve que ajudar a cuidar dos outros irmãos.
Na adolescência, começou a ir a bailes até que começou a namorar um militar com quem se casou: Francisco Chagas Dias. Os irmãos mais velhos não permitiram o casamento, mas ela resolveu fugir com ele. Migraram para o município de Porto Murtinho (MS). “Fiquei grávida da minha filha mais velha, Celina, com um mês. No começo era bom. Depois ele começou a me reprimir e não deixar sair, nem me arrumar”, afirma.
Dois anos depois ela teve a segunda filha, Célia. Quando Celina tinha 10 e Célia 8, Francisco Chagas se suicidou e deixou a família desamparada. Como Eroldina não era casada oficialmente ficou sem receber a pensão do militar e começou a lavar roupa no Rio Paraguai para sustentar as filhas. Chegou a passar dias sem comida no prato. Os irmãos Luís e Joana que tinham se estabelecido com a Casa Formosa, um armazém de secos e molhados em Porto Murtinho se incomodavam com ela pedindo comida. A única que ajudava era Lúcia, que dava mantimentos escondidos dos outros.
A situação foi melhorando até que na primeira enchente que atingiu Porto Murtinho, em 1979, elas viram a casa se inundar. Migraram para Aquidauana (MS) e depois para Campo Grande, que acabara de se tornar capital do recém-criado Mato Grosso do Sul. Ela e as filhas trabalharam como empregadas domésticas. Eroldina aprendeu a ler e escrever aos 60 anos, quando voltou a estudar.
Foi o mesmo ano em que conquistou outro sonho: o da casa própria. Festeira, sempre gostou de visitar os irmãos que se espalharam por diferentes cidades do Mato Grosso do Sul. Foi com ela que aprendi a gosto por viajar e a festejar a vida. Como fazia bolos de aniversário, ela sempre ia para casa dos irmãos comemorar as datas festivas. Com os anos avançando, a memória foi ficando curta. Hoje esqueceu de parte dos sofrimentos que viveu e sente dores de cabeça que atribui ao sol que tomou na cabeça quando lavava roupa no Rio Paraguai no fim da década de 60 e começo dos anos 70. Algumas dores e amores nunca saem de nossas cabeças, ficam emaranhados na pele, são repassados para as próximas gerações, que carregam essas marcas da história do nosso povo.
Mas Eroldina não esqueceu sua maior paixão e símbolo de resistência: a dança. Toda vez que toca uma polca paraguaia, um vanerão ou sertanejo das antigas, ela dobra um dos braços em 90 graus, ergue o outro e mexe as perninhas, faceira, sorrindo. Ela é a mulher negra latino-americana caribenha que não seria notícia, se não tivesse batalhado tudo que lutou e abrisse caminho para que eu pudesse fazer faculdade, me tornar jornalista e homenageá-la nessa data, de todas as mulheres negras do continente e em que ela completa 83 anos. Parabéns vó!