“Ao som do agogô, o cortejo vem descendo as ladeiras contando suas histórias”. Essa é uma das definições da Caminhada Olinda Negra, dada por uma de suas criadoras, Eunice Mirela Cavalcanti. A ideia foi tirada do papel em uma parceira da Associação Recreativa Afoxé Alafin Oyó com o Guia Negro, focado em dar um olhar diferenciado para o turismo de Olinda.
O roteiro existe desde novembro de 2021 e foi desenvolvido para dar visibilidade ao protagonismo negro e criar uma conexão maior das pessoas com a história da cidade. Junto a Mirela, estão Rilson Bernardo, Camila Góes e Alexsandro Batista. Eles são os responsáveis por guiar os turistas e fazem o itinerário todos juntos, sempre que possível.
A Caminhada Olinda Negra vem com o objetivo de ressignificar os principais pontos da cidade, dando para eles a contextualização da história negra.
OUVINDO OUTRAS VERSÕES DA MESMA HISTÓRIA
Falar de Olinda e não falar de frevo é quase impossível. Um dos maiores marcos culturais da cidade tem grande espaço durante a Caminhada. Em todas as saídas de rotas turísticas que acontecem, muito se fala do frevo sem mostrar o artista de verdade, que mantém toda a cultura e faz ela acontecer de fato. “A gente quer dar espaço para esse artista, porque é ele que sustenta de verdade o nosso patrimônio cultural”, conta Mirella.
Muitos dos guias de turismo que andam pelas antigas ruas e vielas da cidade, em seus discursos, focam apenas nas igrejas católicas planejadas por arquitetos brancos – e construída por mãos pretas sem que isso seja ressaltado – ou na história do povo holandês no estado de Pernambuco. As rotas, nesse caso, se centralizam na parte alta, o lado embranquecido de Olinda. O intuito da Caminhada é levar esses turistas também para a periferia e unificar o que é contado lá com as histórias e os passeios da cidade alta. Com isso, permitir a todos ver a história de outro olhar e ouvir o que tem a dizer a negritude pulsante do município que já foi a capital de Pernambuco.
AXÉ DE FALA, SEU MÁRIO RAPOSO E OUTROS CONTOS
O roteiro revela o que a cultura e a história das ladeiras do Sítio Histórico de Olinda tem a oferecer. O passeio passa por lugares de patrimônios imateriais da cidade, levando para o centro a relevância do povo preto em manifestações culturais como maracatus e afoxés, que fazem da cidade um Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade.
Personagens e histórias do povo negro e periférico são ressaltados na experiência. Um dos principais contos, e que ensinam sobre um ditado muito popular no Brasil, é o de “eira, beira e tribeira”. Durante o período colonial, os ricos construíam em seus telhados três níveis: a eira, a beira e a tribeira. A tribeira seria a última parte, ou o topo do telhado. Os mais pobres, por não possuírem dinheiro para as três partes, colocam apenas a parte alta do telhado, ou a tribeira. Assim nasceu o ditado “sem eira nem beira” para se referir a alguém com pouco ou nenhum dinheiro.
Seguindo o trajeto que vai do Mercado da Ribeira até a sede do Alafin Oyó, passando pelos Quatro Cantos e Praça da Sé, na cidade alta, e indo até o Largo do Bom Sucesso na região periférica, o agogô vem abrindo seu caminho junto ao cortejo dos maracatus, cantando histórias e chamando a atenção de quem estiver passando pela rua.
Uma dessas histórias é da bebida axé-de-fala, que quem participa do percurso, tem a oportunidade de provar em determinado momento. A cantiga conta de uma bebida criada após um erro, onde seu preparador pesou a mão na hora de fazer e colocou muita cachaça. Ao provar, de tão forte que estava a bebida, falou aos risos “até o santo fala” e assim nasceu o nome.
Outro conto é de Seu Mário Raposo, o primeiro boneco gigante preto de Olinda. Apesar de terem sua origem europeia, os bonecos gigantes se firmam hoje como uma das tradições culturais mais fortes de Olinda, ao lado do frevo.
Durante o papo com o Guia Negro, Mirella contou como se sente durante a realização das caminhadas. “A cada vez que nós fazemos, o roteiro é o mesmo mas a emoção é sempre diferente. É também uma responsabilidade em passar para outras pessoas momentos que você viveu, história de pessoas que você conheceu… é possível sentir a energia enquanto guia dos turistas, sinto que é algo inexplicável”.
O roteiro ainda não possui nenhum tipo de incentivo público ou de empresas. “Buscamos apoio para aumentar cada vez mais a viabilidade do projeto, que hoje é financiado, em sua maior parte, por seus criadores”, ressalta Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro, que prestou consultoria para o trajeto.
A Caminhada Olinda Negra possui saídas quinzenais e também pode ser feita por empresas, escolas e grupos de amigos na data em que estiverem na cidade. Os próximos tours abertos, que custam R$ 60, ocorrem neste sábado (06/08) e em 17 de setembro. Mais informações aqui.
Entre as dicas para chegar a Olinda de forma mais barata está ir de ônibus e realizar pesquisas por meio do Busca Ônibus, plataforma que permite encontrar os melhores preços e horários em viagens intermunicipais. Lembrando que Olinda fica colada em Recife, para onde tem um grande fluxo de ônibus e voos.
LEIA MAIS: