O livro O losango negro: Mário de Andrade, intérprete do Brasil, de Angela Teodoro Grillo, chega as livrarias pela Editora Cobogó, e coloca em perspectiva a presença e a influência da vida negra na obra do escritor. A autora, doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de Literatura na Universidade Federal do Pará (UFPA), propõe uma leitura inédita, que mostra o quanto a arte, a cultura e as questões da experiência negra no Brasil atravessaram diferentes dimensões da produção de Mário de Andrade, o “bardo mestiço” — da criação literária à crítica, dos estudos folclóricos e culturais à sua atuação política.
O ponto de partida dessa análise é o conjunto de documentos Preto, nomeado desse modo pelo próprio Mário de Andrade e descoberto pela autora nos arquivos do IEB-USP em 2007. Esse material, composto sobretudo de notas de trabalho, com leituras e comentários, reunidas entre o fim da década de 1920 e a morte do modernista, em 1945, abrangem aspectos culturais, históricos e antropológicos relacionados à população negra no Brasil. O livro O losango negro inclui parte desse dossiê, além de outros ensaios abordados pela autora, como “Plano para a comemoração do Cinquentenário da Abolição em São Paulo” [1938], “Sugestões para a comemoração do Cinquentenário da Abolição” [1938] e “A expressão musical dos Estados Unidos” [1940].
A análise de Angela Teodoro Grillo abre caminhos para reconsiderarmos Mário de Andrade a partir de aspectos de sua obra que, por muito tempo, foram deixados em segundo plano. A imagem do “losango” — recorrente na obra do intelectual — se torna uma encruzilhada onde diferentes vetores se encontram: um espaço de cruzamento de culturas, consciência da mestiçagem, reconhecimento da violência do racismo e valorização da cultura brasileira.
Destaques:
“A vida negra não fugiu, portanto, às lentes de Mário de Andrade. Cabe perguntar por que, durante tanto tempo, isso não foi devidamente explicitado. Um livro como o de Angela nos ajuda a descobrir as razões.” Mário Augusto Medeiros, sociólogo e Professor Livre-Docente da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp
“Este livro, ansiosamente aguardado, revela como são infundadas as acusações de que o ‘bardo mestiço’ dissimulava sua cor e suas origens, herdadas de suas avós negras.” Ligia Fonseca Ferreira, Professora Associada do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
“Se Exu iconiza a complexidade da nossa formação cultural — ele é a própria semiose, como nos ensina Leda Maria Martins —, permanentemente em processo, Mário Raul de Morais Andrade é o nome do homem-signo que nos desafia a ler o signo Brasil como uma pergunta em aberto: difícil, interrompida, mil vezes reperguntada.” Ricardo Aleixo, poeta, artista e pesquisador das poéticas intermídia
Trechos
“Os ecos ainda tradicionais da campanha abolicionista, a consequente libertação dos escravos, […] seriam provas concludentes de que no Brasil não existe linha de cor. Mas se formos auscultar a pulsação mais íntima da nossa vida social e familiar, encontraremos entre nós uma linha de cor bastante nítida, embora o preconceito não atinja nunca, entre nós, as vilanias sociais que pratica nas terras de influência inglesa. Mas, sem essa vilania, me parece indiscutível que o branco no Brasil concebe o negro como um ser inferior.” Mário de Andrade, no texto “Linha de cor” (1939), presente em O losango negro
“Ao focalizar a lírica, procuro organizar e mensurar os estudos da cultura negra e das relações raciais no pensamento de polímato e, ao fim e ao cabo, na compreensão mariodeandradiana do Brasil. O escritor, ao longo da vida, alcança o entendimento de complexidades sociais de um país que tradicionalmente camufla violências do preconceito racial e do racismo sistêmico. Mário de Andrade poeta denuncia problemas coletivos e individuais, de classe e de cor; além disso, o negro, como alteridade por ele observada, surge também na esfera da arte e do amor, enquanto felicidade, beleza e completude, oferecendo ao leitor múltiplas possibilidades de existência da população negra brasileira, na contramão de estereótipos que encarceram.” Angela Teodoro Grillo
Sobre a autora
Angela Teodoro Grillo nasceu em São Paulo e vive em Belém do Pará. É bacharela e licenciada em Letras — Português/Francês —, mestra e doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), com tese indicada ao Prêmio Capes 2015. Realizou estágio de pós-doutorado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) e, desde a iniciação científica, sob orientação de Telê Ancona Lopez, dedicou-se ao estudo dos arquivos de Mário de Andrade, tornando-se especialista em sua obra. Publicou Sambas insonhados: O negro na perspectiva de Mário de Andrade (2016). Atualmente, é professora de Literatura na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, onde coordena o grupo de pesquisa Mil Marias (ILC/UFPA/CNPq), que mantém vínculos com propostas teóricas e metodológicas de Mário de Andrade para refletir sobre a cultura e a literatura brasileiras.
Sobre a coleção
A coleção Encruzilhada pretende construir um panorama de títulos de autores nacionais e estrangeiros que abarcam temas contemporâneos, como o antirracismo, os feminismos e o pensamento decolonial. Com coordenação de José Fernando Peixoto de Azevedo, doutor em Filosofia e professor da ECA/USP, a coleção apresenta autores que refletem o presente buscando lançar luz sobre como os processos, na medida em que são enfrentados, compreendidos e transformados, mudam a percepção histórica.