Luedji Luna faz black is king brasileiro em novo álbum visual

Guilherme Soares Dias*

Bom Mesmo é estar debaixo d’água, novo CD de Luedji Luna, vem acompanhado de um álbum visual que traz a cantora baiana fazendo sua própria versão de black is king, de Beyoncé. A diretora do álbum, Joyce Prado, que acompanha Luedji desde o primeiro CD e clipes diz que a inspiração foi, na verdade, Lemonade que também vinha acompanhado de imagens. Em “Bom Mesmo” sai a oncinha, as cenas pela savana africana e mansões e entram o vermelho, o mar e as ruas de Salvador no pós-carnaval.

Luedji fala de amores e desamores e se conecta às divas de outros países ao entender que hoje o consumo da música também está atrelado à imagem. Apesar de ter letras fáceis como a da música título do disco, Luedji não busca o pop, mas faz discos conceituais como da rainha do pop norte-americano.

Parte do álbum foi gravada na quarta-feira de cinzas no Pelourinho, em Salvador. Há cenas em que Luedji interpreta a pomba gira gravadas no samba de roda para exu. A música é sobre desamores e diz “você vai me pagar, vou lhe rogar uma praga, vou lhe fazer um feitiço”. A afetividade exala das cenas e da boca da cantora.

“Esse projeto me ensinou muitas coisas sobre autoestima, autoconhecimento, afetividade da mulher negra consigo. Afinal, a sociedade faz termos uma relação ruim com nossos corpos e com a nossa vida”, afirma Joyce Prado. Aumentar a autoestima, segundo ela, é o que faz não permitir estar em relações abusivas. “É algo que precisa estar dentro de nós antes de tudo”, ressalta.

Luedji diz que a intenção do CD é justamente trazer de volta a humanidade das mulheres negras. “Há apagamentos de vivências amorosas e afetivas. É muito difícil de ver retratado na cinematografia a mulher negra sendo amada, sendo musa, falando em primeira pessoa. Quero construir esse imaginário”, reivindica. E para quem conhece Luedji mais de perto sabe que ela ama intensamente, dança livremente no carnaval e desama com fervor.

Tudo isso é retratado nas músicas e imagens. Isso faz com que o álbum traga um realismo mágico e seja poético e certeiro, assim como o CD. Ele avança em relação a trabalhos já realizados pela cantora e diretora, trazendo referências dos trabalhos anteriores, mas é mais maduro e tradutor da identidade tanto de Luedji quanto de Joyce. Começa mostrando uma fragmentação. Não vemos o rosto da cantora e vamos construindo sua imagem por meio de partes do seu corpo. Depois ela sai ao carnaval maquiada, meio que tentando responder à sociedade a necessidade de ser bela e corresponder o que as pessoas querem.

Quando ela se olha no espelho e vê que seu rosto, quadril e corpo não vão estar nos padrões estabelecidos se revolta a tudo que se submete e busca se adequar. “É um padrão que não pensa, nem acolhe mulheres negras, repensa o que está correspondendo e a expectativa que quer cumprir”, diz a diretora do álbum.

A pomba gira ou padilha mostra a sensualidade, os sentimentos, conflitos, abre caminhos para que nasça, reveja e ame de maneira diferente. No fim, a cantora aparece cercada de outras mulheres negras, todas retintas, e troca a roupa vermelha pela branca, mas a cor do sangue é a mesma do fio que as une. Cercada da própria imagem com outras mulheres, começa a se rever de maneira carinhosa.

Estar debaixo d’água para a Luedji do álbum é estar submersa e envolta de amor que mulheres pretas conseguem estimular uma entre as outras. É a cumplicidade entre pessoas pretas. As músicas e o álbum visual trazem a possibilidade de olhar para dentro da comunidade preta, com todas as complexidades que têm e suas relações amorosas. “O final é sobre minha mãe, avó, bisa, o desejo de falar mais, uma vez que a comunicação é tão difícil”, considera Joyce, emendando. “Quando a mulher negra vai para debaixo d’agua se entende como comunidade, fala sobre sentimento e construção de liberdade”.

Sai, portanto, a oncinha como símbolo de ancestralidade e entra o vermelho, que é sangue e afeto, dor e amor. Além de exu, o álbum remete a iansã e mostra a relação materna com o útero, já que todos nós um dia estivemos debaixo d’água. Há o desejo de retornar para essa água e o vermelho é o elemento que nos liga e remete à simbologia imagética.

Tão mágico e afetuoso que nem todo mundo capta a universalidade da obra da cantora e da diretora. Ao responder sobre publicar esse texto sobre o álbum visual, uma editora de um veículo da imprensa disse: “Apesar de maravilhosa, Luedji Luna não conversa com nosso público, que é mainstreamzão”. Talvez o meio em questão não seja lido por mulheres, ou melhor, mulheres negras, em geral. Pois se fosse saberiam e entenderiam de pronto que bom mesmo é estar debaixo d’água, escutar e ver Luedji Luna.

*É jornalista e falso baiano, segundo a cantora. No Instagram como @guianegro

QUEM ASSISTIU, DISSE:

“O que está me encantando sobremaneira nessa obra dela é que o amor ali retratado é o oposto do amor do ocidente cristão (certamente, por isso, é que não vai interessar  ao mainstream branco, hétero e cristão). Nada ali é romantizado ou idealizado, proibido ou castrado como o cristianismo prega. Ela mostra uma verdade do humano que me encantou e tudo está muito coerente com as formas de vivermos os afetos que eu aprendo no Candomblé enquanto filosofia de vida. Diferente do catolicismo, no Candomblé o corpo, suas vontades e seus afetos ocupam o lugar do sagrado e não do pecado. Enfim, eu sinto que ela veio com a África toda que lhe pertence mostrar o amor sob um perspectiva bem diferente do que se conhece por aqui, e sublime, no meu ponto de vista”. Izabel Esther.

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