Nigéria: uma viagem ancestral da Pequena África à terra mãe

Por Thaís Rosa Pinheiro*

So wo were fi na wo sankofa ayenkyi

Literalmente vivi o significado de Sankofa “Nunca é tarde voltar ao passado e pegar o que ficou”. Confesso que a viagem a Nigéria foi um sonho que continuo vivendo acordada. Nasci na cidade do Rio de Janeiro e desde criança tinha muita curiosidade em saber sobre a história da minha família e de onde meus ancestrais teriam vindo do continente africano.

Mesmo morando numa das cidades mais negras do Brasil, muitas pessoas na rua me perguntavam se eu era africana. Achavam que eu era Angolana, Senegalesa, Nigeriana e muitos africanos quando me viam, vinham falar comigo na sua língua natal. Em 2017 recebi uma bolsa para participar de um programa do Departamento dos Estados Unidos, Jovens Líderes das Américas e resolvi fazer um exame de DNA. Voltei para o Brasil e recebi o resultado. No meu DNA, 96% é africano, sendo que 20% é nigeriano, além de outros percentuais menores espalhados por outras regiões no continente africano.

Desde 2016 guio pessoas a região da Pequena África, no Rio de Janeiro, e com a morte de meu avô, conheci por foto a minha bisavó que trabalhou na mesma região que conto essa história, além de descobrir mais duas gerações passadas da minha família paterna até chegar na certidão de casamento dizendo que meus trisavós eram africanos. Foi onde achei que não conseguiria mais informações.

Porque a Nigéria?

Tínhamos um sonho em família em conhecer o continente africano. Convenci minha mãe e meu irmão a viajarem e tínhamos a Nigéria em comum, além de outros países. Eu tinha esse sonho em conhecer a Nigéria, pois me sentia muito conectada com a cultura iorubá, e queria ver e viver de perto. A Nigéria é o país com a maior população negra do continente africano, e o Brasil o país com a maior população negra fora da África.

A maior emoção, para mim, foi entrar no avião em Paris em direção a Lagos e ser parte da maioria. Andar pelas ruas em Lagos e me identificar fisicamente com as pessoas, ver que eram parecidas comigo, que poderiam ser da minha família. E o que não esperava, ainda estava por vir.

Como sou turismóloga e tinha os lugares que queria muito conhecer fiz o roteiro para a família durante as duas semanas de viagem. Visitamos a maior galeria de arte nigeriana, a Nike Art Gallery, com um acervo de mais de 500 artistas e diversas outras galerias de arte contemporânea a museus. Visitamos Osun- Osogbo e a floresta sagrada as margens do rio Osun.

Thaís Rosa Pinheiro no templo sagrado de osun osogbo

O bosque sagrado, que agora é visto como um símbolo de identidade para todo o povo iorubá, é provavelmente o último da cultura iorubá. Fomos a Ibadan, cidade do estado de Oyo, uma das cidades mais populosas da Nigéria. E o que queria conhecer desde a minha chegada eram os Agudas, descendentes de antigos escravizados do Brasil que retornaram á África em diversos momentos da história, desde o
século 19.

Esses “brasileiros” e descendentes desses brasileiros estão lá em Lagos e foi no encontro com eles que descobri que o nome da minha família paterna, Pinheiro, também está lá presente. Essa parte da viagem merece um livro inteiro para contar, pois mais uma peça do quebra cabeça se encaixou. Ainda tivemos a chance de conhecer uma parte dessa nossa família.

Fomos convidados a dar uma entrevista na rádio local e contar nossa história e sobre o Brasil. Falei de quanto no Brasil temos influência da cultura iorubá, falei da Pequena África, no Rio, e de que também tem uma parte de mim nigeriana. Nessa viagem pude identificar muitas coisas que temos no Brasil que são heranças africanas,
que estão presentes na culinária, no modo de viver, a influência do comércio e da beleza.

Fico ainda maravilhada com a beleza da população nigeriana que mantem sua moda própria, sua culinária local e que por mais que tenham influências da colonização, mantém suas tradições muito presentes. Foi uma viagem de volta a casa, onde fomos abraçados e agora sei que uma parte da minha família está ali. Sou eternamente grata a meu irmão Leandro Pinheiro que nos proporcionou essa viagem e a meus ancestrais por nos mostrarem o caminho de volta.

*Turismóloga, Pesquisadora, Mestra em Memória Social e Especialista em História da África e Afro brasileira. Há mais de 7 anos conecta pessoas a história da Pequena Africa no Rio de Janeiro. CEO da Conectando Territórios, agência de turismo que conecta pessoas a história e memória afrobrasileira de comunidades quilombolas e urbanas na cidade do Rio de Janeiro.

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Redação

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