Patrimônio da Cohab, Tia Rosa era, na verdade, mãe de muita gente

Guilherme Soares Dias

Rosalina Pereira Nantes, 57 anos, tomava café com o marido em casa neste sábado (9). Ele foi ao banheiro e ouviu um barulho de algo que caiu no chão e junto uma xícara. Gritou “mãe”, como a chamava, mas não foi respondido. Saiu correndo e a viu no chão. Ela tinha sofrido um infarto fulminante e morrido. Rosalina deixou três filhos biológicos e uma dezena de outros que ajudou a cuidar, criar ou orientar. Era uma mãezona, mas todo mundo a chamava de Tia Rosa.

Era tia de um bairro inteiro: a Universitária 2, ou Cohab, em Campo Grande (MS), onde morei a maior parte da vida. Liderava grupos de jovens da igreja, ensaiava quadrilhas de festa junina, peças de teatro religiosas, visitava doentes, rezava terços, novenas e estava sempre disposta a ajudar. Lembro quando comprou carro e levava a gente para fazer coisas que os ônibus não permitiam ou o dinheiro pro táxi não chegava…Nunca a vi se meter em brigas sem motivo com os vizinhos… Era leoa, brigava quando precisava, mas era doce, divertida, com uma risada inconfundível. Quantas tardes com tereré passamos juntos?! Ela era mãe de amigos que moravam na mesma rua que eu. Mas agora que se foi percebo que ELA era a nossa amiga.

Afinal, não se esquivava de brincar na enxurrada formada pela chuva, jogar bete (taco). Lembro das partidas de bozó (jogo de dados), que vez ou outra ela roubava (precisamos admitir, risos), virando um dado ou outro a seu favor ou de dar altas risadas sentada no chão chupando manga e se lambuzando toda. É desse tempo rico e furtivo que tenho saudades e que vou lembrar para sempre. E a casa que ficou em construção por anos da minha infância/adolescência e serviu de palco para brincadeiras e os primeiros beijos de muita gente da rua?

Na oitava série, eu tinha uma atividade que era fazer uma entrevista com alguém e contar essa história por meio de perguntas e respostas. A minha foi com Tia Rosa e a fiz enquanto ela passava roupa. Tenho isso guardado em um caderno em Campo Grande (espero). Noutra vez, ela costurou uma roupa a meu pedido e na entrega não queria me dizer quanto custou, mas ficou dando indireta que precisava comprar uma tomada que custava tanto. Eu não entendi a indireta e fui pra casa sem dar a grana pra ela. Lembro da minha cara de decepção comigo mesmo ao me dar conta de que era aquele o valor que ela queria que eu pagasse… No outro dia fui dar o dinheiro e ela se recusou a receber.

Tia Rosa vai estar sempre nas nossas histórias e lembranças. Fico imaginando quanta gente se reuniria em seu velório/enterro se não estivéssemos nesse período excepcional e o quanto essa morte inesperada deixa todos nós órfãos e com um dia das mães (ainda) mais triste. O coração grande não aguentou o peso de tanto amor e a levou para descansar. A gente fica por aqui sentindo a falta, mas com a missão de levarmos sua alegria e generosidade para o mundo. De uma coisa ela pode ter certeza nunca vamos esquecer ou deixar que esqueçam da risada e da grande mulher que foi.

Após esse relato o Campo Grande News, principal site de notícias de Mato Grosso do Sul, noticiou a morte de Tia Rosa em seu Lado B.

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Redação

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