A perseguição do tour Caminhada São Paulo Negra pela Polícia Militar durante três horas no último dia 24 de outubro tornou-se processo de investigação da Ouvidoria e da Corregedoria da PM, além de inquérito do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Eizeu Soares Lopes, ouvidor do órgão, disse que os representantes da Black Bird Viagem, que organiza o walking tour, foram vítimas de violência do Estado e pediu investigação em relação ao caso. “Vocês foram vítimas de racismo estrutural. Isso denota brutalidade”, considerou, cumprimentando a empresa pela iniciativa do passeio que conta sobre a história e cultura negra.
A declaração foi dada em reunião online que contou com a participação de representantes da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil-São Paulo (OAB-SP), Diva Zitto e Simone Henrique, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) e os sócios da Black Bird Viagem, Guilherme Soares Dias e Heitor Salatiel. “É algo que ocorre sistematicamente com a população negra. Mas hoje há canais de denúncia, ganha notoriedade”, reforça.
Já Erica Malunguinho lembrou que as pessoas pretas estão a todo momento ensinando a vizinhança, a institucionalidade sobre o direito de existir. Segundo ela, há um princípio pedagógico nesse letramento que acaba ocorrendo. A deputada estadual afirmou ainda que é impossível desassociar o que fato à história do povo negro. Ela lembrou a teórica Beatriz Nascimento e afirmou que no século 17 toda habitação com mais de cinco negros fugidos era considerada um quilombo. “A junção de pessoas pretas sempre causou cautela no Estado”, considera.
Já o Código Penal de 1835 versava sobre o “valia couto de bandidos”. “É por isso que é difícil desassociar corpo negro em quilombo e espaços de rua. Precisamos letrar a sociedade brasileira”, defende. Malunguinho afirmou que a perseguição ao tour é “filha do racismo” e que antes a população negra era considerada fugitiva do sistema escravocrata e hoje pessoas negras não podem exercer livremente atividades como o turismo. “Mexe com fato corrente de corpos pretos em espaços conjuntos é motim, vadiagem. Não podemos deixar isso sem reposta. A resposta padrão da assessoria denota o racismo estrutural, que eles não sabem o que é”.
A deputada defende reparação aos empresários, além de revisar a prática de abordagem policial. “Se fossem dez, 20, 30 brancos percorrendo monumentos isso não ocorreria”, avalia. Dessa forma, ela avaliou que não dá para a população negra já sair culpada de casa. “Isso é inadmissível. Temos que garantir que esses e outros casos provoquem novos protocolos na polícia”, afirma.
Já Diva Zitto questionou a resposta da assessoria da PM e disse que era inadmissível e que não se tratava de fake news. “Não foi a contento. Mas nosso povo resiste e não é de hoje”, reforçou. Heitor Salatiel agradeceu o apoio recebido das instituições. “É muito bom ver profissionais renomados nos defendendo. Dá a certeza de que estamos no caminho certo”.
Guilherme Soares Dias, por sua vez, disse que esperam respostas sobre de onde partiu o ofício que pediria para os policiais acompanharem o tour, além de explicações de porque foram acompanhados e filmados por três horas mesmo não se tratando de uma manifestação. “Queremos convidar a PM para fazer a caminhada para que conheçam e valorizem a história negra e não a criminalizem mais uma vez”. O ouvidor da PM prometeu prosseguir com todas as medidas cabíveis.
Já o Ministério Público instaurou inquérito e deve investigar o caso. O requerimento foi feito pelo promotor Eduardo Valério no âmbito de inquérito civil instaurado em 29 do mesmo mês para apurar conduta que sugere a prática de racismo. Na portaria de instauração do inquérito, Valério considera que o fato revela “despreparo da Polícia Militar para agir de modo minimamente adequado ou, o que se mostra mais factível, manifestação expressa de racismo institucional, decorrente do racismo estrutural”. E segue: “(…) a segurança pública, numa ordem democrática, reclama e pressupõe a plena fruição de direitos por todos os cidadãos. As liberdades de reunião e de empreender não podem ser limitadas por riscos imaginários à segurança pública”.