Roteiro de Salvador – o que fazer em sete dias

Texto: Guilherme Soares Dias/Fotos: Heitor Salatiel

Salvador não é destino para passar um dia ou fazer bate-volta. Desde 2005 quando pisei na cidade pela primeira vez senti algo único. Era como seu tivesse voltando para um lugar que já tinha estado. Um sentimento de pertencimento. É uma cidade para conhecer com atenção, que vai além de praia e de casas coloridas no Pelourinho, da badalação do Rio Vermelho e da bela praia do Porto da Barra. Aliás, quem é negro e passa pelo centro histórico não desce as ladeiras sem ouvir gritos de dor dos nossos antepassados que ali foram torturados. Há também a beleza e a potência do povo negro em cada esquina, por isso, a cidade também é chamada de meca negra, um lugar que todos os pretos precisam ir pelo menos uma vez na vida, ou várias.

Preparamos um Guia Negro da cidade e o separamos por dias ideais para visitar cada lugar. Se não estiver na cidade nesses dias específicos, vá quando puder. Faça amigos baianos. Não vai ser difícil. É um dos povos mais acolhedores que conheço. A cidade não é perigosa no quesito segurança, mas é preciso tomar cuidado com seus pertences, pois ladrões que manjam turistas dando bobeira estão a postos para executar seu trabalho como em qualquer outra cidade brasileira.

Comer e beber é mais barato do que em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. A cidade tem 80% das pessoas que se declaram de cor preta ou parda. O poder econômico e político, no entanto, está na mão dos 20% brancos. Consuma de pessoas negras!

Veja o roteiro de sete dias:

SEGUNDA-FEIRA:

Vá a Igreja Nosso Senhor do Bonfim, amarre sua fitinha, faça seus pedidos. A sala dos milagres tem uma energia pesada e um padre costuma ungir os visitantes com água benzida.

Atrás da igreja, desça a Ladeira do Porto da Lenha, que te leva à praia. Entre a direita e caminhe pela orla. Na segunda-feira, as pessoas da região da Ribeira têm folga (trabalham em hotéis e afins) e vão a praia. É lindo de ver. O objetivo nesse dia é chegar na Sorveteria da Ribeira e tomar o sorvete com o sabor de chocolate africano (há uma série de outros, mas esse é o meu predileto). O arrumadinho em qualquer bar praiano é ótimo e dá pra 2,3 pessoas. Experimente uma bebida da juventude chamado nevada (leite condensado, limão e cachaça). Tem também o restaurante Encantos da Maré que é uma delícia.

TERÇA-FEIRA:

O melhor dia para ir no Pelourinho é na terça-feira, quando acontece a Terça da Benção e as missas aculturadas (com tambor) na Igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos às 17h (o horário às vezes muda, para 1h mais ou menos). Nesse dia, há mais tambores, ensaios dos blocos afros e o cantor Gerônimo fez apresentações clássicas após a missa.

Para quem vai ao Pelô, a dica é:

Entrar no Museu Afrobrasileiro

Tomar cravinho (cachaça de cravo é a bebida do Pelourinho)

Entrar na Casa do Benin.

Fazer compras de roupas e livros na Katuka Africanidades e de cosméticos naturais (produzidos com ervas produzidas por gente de terreiro e quilombo) na Botica Rholl (visite o quintal no fundo). O Mercado Modelo é ótimo para souvenirs e roupas. O Elevador Lacerda é lindo por fora, mas não tem vista panorâmica. Não crie falsas expectativas. Para ‘instagramar’ use o Elevador do Taboão e os Planos Inclinados (trenzinhos) do Pilar ou do Gonçalves. Todos são gratuitos e funcionam em horário comercial de segunda a sexta.

Visitar o Cabuloso Atelier e o Raimundo Bida Atelier

A Praça Jubiaba tem uma vista linda e abriga a Casa Cultural do Reggae. Há ainda outras quatro praças com nomes de personagens que aparecem em livros de Jorge Amado: Teresa Batista, Quincas Berro D’água e Pedro Arcanjo – essas costumam ter shows no verão – e Rosa de Oxalá, que fica no fundo da Botica Hall.

Para comer e beber:

Alaíde do Feijão, Negro’s Bar, Cantina da Lua, Ó Pai Ó, Roma Negra, Consulado Rosa Malê, Oxente Bistrô, Axego

À noite, o melhor lugar é o Malembe, com bons drinks, comidas e gente interessante.

Ir ao Santo Antônio Além do Carmo (bairro vizinho). Por lá tem antiquários, cafés, bares (é bom pra noite) e casas bonitas. De dia (das 8h às 17h), tem um plano inclinado (bondinho) que desce de graça para a cidade baixa. Vale o passeio. Inclusive descer e depois subir. Gosto do Cruz do Pascoal, do Oliveiras, do Bar do Ulysses e de Restaurante do Zanzibar. No fim do bairro, há o Largo do Santo Antônio Além do Carmo, onde fica a igreja e o Forte da Capoeira, onde há várias escolas da arte.

DICAS: Não use cordão de ouro, tome cuidado com celular e pertences. Baianas pedindo para tirar foto estão trabalhando. Tire seu clique e pague. O mesmo vale pra pintura corporal, para a capoeira e para percussão que são oferecidos na rua.

QUARTA-FEIRA:

Na Barra, a praia do porto é linda e o pôr-do-sol incrível. A foto com o Farol da Barra ao fundo é um clássico. Tem um museu do Pierre Verger. Descer até a Vila Brandão e consumir num dos restaurantes locais é sucesso. O pôr-do-sol de lá é lindo.

Compras: Um passeio pela Avenida Sete (de Setembro) te possibilita ter acesso a peças de roupas populares e baratas, além acessórios e cosméticos. É uma confusão gostosa para quem gosta de garimpar.

Por lá, vale comer o Acarajé da Neinha, na esquina da Avenida Sete com a Rua Politeama (em frente ao Sebrae). Ela está há 50 anos no mesmo ponto. Também vale experimentar o bolinho de estudante.

Na Barroquinha (em frente a Igreja da Barroquinha) é o melhor lugar para comprar artigos de couro: sandálias, bolsas e etc.

Termine comprando ervas no Dois de Julho e comendo no Bar Mocambinho. Por lá, também fica a Casa Preta e o Bar das Pretas (que tem samba aos domingos).

QUINTA-FEIRA:

Na Cidade Baixa, tem a Feira de São Joaquim, o mercado que tem tudo. Chapéu de palha, artigos religiosos, de couro, cerâmica e muito mais.

De lá eu pegaria um carro por aplicativo para USF São João do Cabrito, no fim de linha do ônibus de mesmo nome. Lá o bairro chama Plataforma, tem um restaurante chamado Boca de Galinha, que serve moqueca com vista pro mar e o Acervo da Laje, que reúne as obras da periferia de Salvador (é preciso agendar).

A praia dos Alvejados é frequentada pelos moradores da região. E há ainda o Restaurante de Neinha, famoso por suas moquecas. É possível atravessar de barco para a Ribeira. A embarcação é transporte público (R$ 2,50) e sai de hora em hora (horários cheios).

SEXTA-FEIRA:

Rio Vermelho é o bairro boêmio, dos bares e acarajés famosos. Eu gosto do Acarajé da Cira. Os outros famosos são o da Dinha e da Regina. Por lá, fica o Casa do Rio Vermelho de Jorge Amado, um museu bastante completo sobre o escritor que é de graça na quarta-feira.

Tem um restaurante chamado Solar, que é mais chiquezinho e serve comida da Bahia contemporânea. A chef é Andrea Alves, que faz uma maniçoba incrível.

O Mercado do Rio Vermelho costuma ter apresentações musicais.

Bombar, Borracharia, e Chupito são clássicos dos bares da região.

A Casa da Mãe tem saraus incríveis nas segundas-feiras.

O Mercado do Peixe tem vários restaurantes, bares, sorveteria e uma vista linda para o pôr-do-sol.

Vale ir na Praia da Paciência (mais tranquila) e no Buracão (mar mais agitado e juventude alternativa)

SÁBADO:

É o dia que costuma ocorrer a Caminhada Salvador Negra, realizada pelo Guia Negro, no Pelourinho. Confira a agenda aqui: https://linktr.ee/guianegro

No dique do Tororó (um lago) tem as estátuas dos orixás. Fiz um passeio de pedalinho contornando eles que vale a pena.

Muita gente que está na cidade quer visitar terreiros. Não vamos indicar um ou dizer que é obrigatório, cada um faz seu caminho. Lembrando que terreiros são templos religiosos. É preciso ir com roupas respeitosas, preferencialmente de branco (de preto nunca). Nas visitas não há problema ir com roupa de cor, mas com roupas curtas sim. São Mais de mil terreiros na cidade. Se tiver interesse em conhecer um, procure a Afrotours. Nilzete dos Santos é especialista no tema e te leva para conhecer o “Caminho dos Orixás”.

Para quem busca fazer tranças, dreads e penteados afros, indico Negra Jhô, Gerusa Menezzes, Leo Santos, Alberto Alves, Catarina e Valéria e uma série de outros.

DOMINGO:

Das praias distantes, mas não muito, curto Flamengo e Stella Maris (dá pra ir de coletivo). Fica a 1h do centro. Um pouco mais distante fica a famosa Praia do Forte (e o projeto Tamares que cuida das tartarugas marinhas) e Barra do Jacuípe, que tem o encontro do rio com o mar. Adoro Arembepe e Imbassaí.

Mas recomendo mesmo a praia do Solar do Unhão, dentro da comunidade de mesmo nome e ao lado do Museu de Arte Moderna (MAM). A praia tem pedras, o pôr-do-sol é lindo e os frequentadores na maior parte são pretos. A praia do MAM pode ser acessada por barcos (que custam R$ 5). É de areia e costuma ser mais tranquila. O Jazz do MAM é um dos eventos mais incríveis.

A praia de São Tomé de Paripe fica na Baía de Todos os Santos, tem águas verdes e tranquilas e no fim do dia rola paredão. Há gente preta e bonita por todos os lados.

A travessia para Ilha de Maré é feita de barco (custa R$ 8) a partir de São Tomé de Paripe. Da Lapa (no centro da cidade) há um ônibus urbano (R$ 4,90) chamado Base Naval que te deixa a poucos da praia e do acesso aos barcos. A Ilha de Maré é um dos passeios que mais gosto. É calma, linda, com gente preta.

Coma lambreta.

Também vale visitar Itapuã. Por lá, além do famoso farol (onde é lindo curtir o pôr-do-sol), vale visitar a Casa da Música, a Lagoa de Abaetê e a sede do bloco afro Malê de Balé. O Acarajé de Cira, as estátuas da sereia e de Dorival Caymmi também são pontos obrigatórios. Todos fazem parte da experiência Passar uma Tarde em Itapuã, que você pode agendar pelo email: guianegro@gmail.com

Qual sua dica do que conhecer na capital baiana?

Salvador não é cidade para apenas uma visita. Volte para a cidade e viva tudo de novo e de novo!

Axé!

*Atualizado em 17 de março de 2023

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Redação

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