Quando me perguntam para que viajar, a primeira resposta que me vem à cabeça é: para desmistificar clichês.
É preciso ir.
Ver de perto.
Ver com os olhos
e sentir com o corpo.
E perceber que, muitas vezes, as coisas são diferentes do que nos falaram.
Somos diferentes. O lugar de fala de um documentarista, da academia, da TV, de quem escreveu aquele livro. Eles não viveram o que você viveu.
Então eu reforço: é preciso ir e ver de perto.
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Uma das situações mais impactantes quando comecei a viajar o Brasil, foi conhecer a Chapada Diamantina. Era meu primeiro objetivo, ir de bicicleta de Recife até a Chapada.
À primeira vista me apaixonei tanto, que decidi morar lá e morei em Lençóis por um ano. Fiz amigos. Vivia no meio do mato. Me reconectei com a natureza, com a espiritualidade. Fiz muitas trilhas e fui muito feliz. É, talvez, o lugar que eu mais amo no mundo.
Mas lembro que nas redes sociais muita gente me indicava para ir conhecer o Vale do Capão. Uma pequena vila que fica na cidade de Palmeiras.
Fui,
e me espantei.
Me surpreendi.
Uma energia diferente. Pessoas diferentes. Sotaques diferentes.
Como pode, um lugar no sertão da Bahia, estado com maior população negra do Brasil, não haver negros?
Não havia!
Aquele Anderson recém chegado na região, precisou procurar muito.
Nem no setor de serviços, onde é comum encontrar pessoas parecidas comigo, havia pessoas parecidas comigo.
Estava errado.
Está errado!
Existe uma explicação maravilhosa em um vídeo da Elisa Lucinda onde ela diz que, se você sabe onde encontrar pessoas brancas, e você sabe onde encontrar pessoas negras, ali tem um apharteid. Não dá para chamar de outro nome.
Ali no Vale do Capão existia um aparheid e eu estava impactado como ninguém falava sobre isso. Ninguém demonstra incômodo. E quando toquei no assunto com pessoas de lá, percebi que eu era incômodo.
Na época compartilhei em uma rede social e sabe aquelas situações de uma pessoa enviar para outra, que envia para outra e de repente aquilo viraliza? Aconteceu.
Eu recebia centenas de mensagens de pessoas, que, pasmem, ignoravam o que eu falava, defendendo o lugar.
Tanto lá, ao vivo, como nas redes sociais, eu ouvia coisas como: “Cara, você não entendeu a magia do lugar” ou “Mano, aqui é lugar de cura, de luz”.
E o perfil das pessoas que defendiam era o mesmo, com uma curiosidade: algumas delas sequer tinham ido àquele lugar.
Me senti só.
Só no Vale do Capão.
Só nas redes sociais.
Entre dreadlocks loiros e roupas indianas caríssimas, a cada fala, cada sotaque, eu me sentia no sul/sudeste do Brasil, com algumas pitadas de pessoas falando em espanhol.
A referência que tenho da Bahia são os sorrisos, a simpatia, a energia e a comida boa. A Bahia tem algo diferente. Você chega, você já sabe que está na Bahia.
Ali, não ouvi a sonoridade do sotaque mais bonito do Brasil.
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Quando viajo, para além dos lugares bonitos e instagramáveis, eu gosto de ver a cidade acontecer. De ir à padaria, de ver gente. Ver como andam nas ruas e a dinâmica do lugar.
O Vale do Capão é um lugar lindo no sentido das paisagens e da natureza. As cachoeiras, as trilhas, tudo incrível. Mas isso não foi suficiente para me segurar ali, e decidi ir embora. Só que minha curiosidade me fez voltar outras vezes. Pensei: não pode ser. Talvez um mal entendido, alguma coincidência.
Pois então. Voltei lá outras vezes e isso se confirmou.
O ano era 2021.
Recentemente estive em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e mesmo sendo os estados com menor percentual de negros na população, você vê negros nos bares, no supermercado, pela cidade.
Não ver negros, sei lá, na Polônia, você até entende. Mas no Vale do Capão, sertão da Bahia, nordeste, Brasil, é chocante.
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Foi pesquisando sobre a ausência de corpos negros enquanto consumidores no espaço do turismo que lembrei dessa história. E penso que é urgente ampliar o debate sobre a construção de um turismo mais diverso e, principalmente, antirracista.
Para finalizar, deixo uma reflexão. Se você me permite, te proponho a olhar ao lado, neste momento, aí no lugar que você está agora, lendo este texto. Quantos negros têm neste lugar? Eles estão trabalhando? Se divertindo? Consumindo? É só para refletirmos juntos.