Turismóloga vê multiplicação de turistas na travessia dos Lençóis Maranhenses e faz alerta

“Triplicou a quantidade de pessoas em menos de um ano. Vi grupos gigantes e pessoas totalmente desconectadas com o lugar… Gente falando alto o tempo todo, inclusive durante a madrugada, enquanto outras pessoas estavam dormindo. Pontos de apoio visivelmente sobrecarregados, banheiros com filas e consequentemente, mais sujos. A interação com os moradores se distanciou… Afinal, eles estão recebendo mais turistas e precisam atender uma demanda muito maior”, o relato sobre o aumento de turistas e consequências para o bioma e comunidades é da turismóloga e produtora de conteúdo Cris Marques.

Ela viaja há cerca de 15 anos por diferentes destinos, tem como foco locais de natureza e com água em abundância e organiza viagens de pequenos grupos para viagens autorais. Entre os aspectos positivos, ela relata a ampliação das estruturas dos lugareis, novos guias locais surgindo (inclusive mais mulheres), pequenos empreendimentos crescendo e conseguindo renda extra com o turismo. 

Já os pontos negativos apontados por ela são: grupos cada vez maiores sendo guiados por profissionais de fora ou pessoas fazendo a travessia sem guia, além da falta de noção da maioria das pessoas em relação à realidade do lugar. “A travessia dos Lençóis Maranhenses se popularizou. Virou um destino para entrar na lista do ‘eu fiz’. E embora eu acredite que a travessia pode ser para todos, a verdade é que nem todo mundo está pronto para ela”, constata.

Dica para a vida

Cris Marques,  dá então, uma dica de viagem que acredita servir para qualquer situação: “aprendam a viajar sem esperar encontrar o mesmo conforto, as mesmas comodidades e o mesmo padrão de serviços que estão acostumados a ter no seu estado, na sua cidade”.

Sobre o fato de turistas estarem fazendo o caminho sem guia, a turismóloga lembra que isso não vai comprovar autossuficiência. “Saiba que, ao contratar um guia local, você não estará apenas seguindo um trajeto já mapeado e, sim, conhecendo os Lençois a partir de quem vive ali, que carrega histórias e conexões profundas com o território”, reforça

É uma forma de lembra ainda que “foram os guias locais que, por gerações, mantiveram esse lugar vivo, desbravaram rotas, construíram caminhos e abriram possibilidades para que hoje você possa chegar até lá”. Apesar das riquezas naturais e culturais, o Maranhão ainda é um dos estados mais pobres economicamente do país. “Valorizar o turismo local é também reconhecer a importância das pessoas que sustentam essa experiência há anos, mesmo diante da omissão histórica do Estado em algumas áreas, especialmente na ambiental”, afirma.

Quando o Guia Negro esteve na região nos últimos anos, constatou que os turistas chegam e saem do local sem conhecer elementos da cultura negra local. Dessa forma, comunidades quilombolas, sedes de bumba meu boi e os terreiros de tambor de mina e de candomblé ainda não ganham com o turismo.

Melhorias

Cris acredita que o crescimento do turismo na travessia pode (e deve) gerar impactos positivos nas condições de vida das comunidades locais. “No entanto, quando esse crescimento ocorre de forma acelerada e sem planejamento, também acarreta efeitos negativos significativos”, aponta.

Com base na experiência da turismóloga que também é guia de turismo, alguns desses impactos, especialmente os relacionados à sobrecarga da infraestrutura, descaracterização cultural e degradação ambiental, podem se tornar irreversíveis a médio e longo prazo. “O trajeto tradicional, que estão fazendo agora, já não é (e nem será) como antes”, alerta.

Sobre os Lençóis

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é uma área protegida, conhecido pela sua vasta paisagem desértica de grandes dunas de areia branca e pelas lagoas sazonais de água da chuva, formadas entre maio e agosto. A Lagoa Azul e a Lagoa Bonita são as maiores. O ecossistema diversificado do parque inclui pântanos de mangais somando 1.550 quilômetros quadrados, o equivalente a quatro Suíças.

As cidades vizinhas de Barreirinhas e Santo Amaro do Maranhão servem de porta de entrada para o parque e fazem tríade com o município de Betânia. As travessias costumam durar de 3 a 7 dias.

O Lençóis Maranhenses foi considerado o segundo parque nacional mais bonito do mundo, de acordo com levantamento feito pela empresa Bounce, divulgado em 2024, que teve o Parque Nacional Kruger, na África do Sul, conhecido pelos safáris como o primeiro colocado. Ainda em 2024, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses foi reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco.

Cris lembra que já fez a travessia durante sete vezes. A situação relatada acima foi uma experiência durante um feriado da alta temporada (entre maio e agosto), o que mostra que viajar nas baixas temporadas é uma escolha que também ajuda a impactar menos os destinos. A turismóloga reforça que o guia que a acompanhou no roteiro informou que em determinadas datas o trajeto continua vazio, ou seja, ainda não é algo que está afetando completamente a travessia, mas que situações como essa precisam ser avaliadas no longo prazo.

Ouça aqui:

Compartilhe:
Avatar photo
Redação

O Guia Negro faz produção independente sobre viagens, cultura negra, afroturismo e black business

Artigos: 774