2018: o ano em que os negros definitivamente entraram em pauta nas artes

Exposições, musicais, filmes e séries exaltam pessoas negras em suas produções

Guilherme Soares Dias

2018 ficará marcado como o ano em que os negros definitivamente entraram em pauta no mundo das artes. Seja em produções nacionais ou estrangeiras não deu para ignorar a presença dos negros e abordar a cultura e história desse povo oriundo da diáspora africana. As exposições de grandes museus tentaram reproduzir parte dessa cultura. Mas também houve o histórico filme Pantera Negra, a forte presença na Feira Literária de Paraty (FLIP) e até mesmo os protestos contra a novela das 21h da TV Globo, Segundo Sol, em que a ausência foi cobrada pelos movimentos, e deve resultar em produtos mais diversos na emissora de maior audiência do país.

Veja 15 obras em que os negros foram destaque em 2018:

1 – Pantera Negra

O filme conta a história de um super-herói das histórias em quadrinhos publicadas pela Marvel Comics, cuja identidade secreta é a de T’Challa, rei de Wakanda, um reino fictício na África. Primeiro super-herói negro a ganhar filme e com elenco todo negro, a produção estreou em fevereiro no Brasil e virou sensação por representar a maior parcela da população. Grupos de pessoas negras fizeram sessões históricas no cinema e Wakanda passou a ser uma terra sonhada e almejada por muitos.  Fez história.

2 – Exposição Ex-África – CCBB

A exposição Ex-África ficou em cartaz no primeiro semestre no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio e de São Paulo e retratou um panorama da arte contemporânea do continente e da identidade da África moderna, marcada por uma diversidade de encontros culturais e interações, por processos de intercâmbio e aculturações. Estiveram expostos desde videoclipes da Nigéria, uma das maiores produtoras do mundo, até fotos de penteados de diferentes países, passando por quadros, instalações, esculturas e intervenções artísticas.

3 – Musical Dona Ivone Lara

O musical faz parte de uma trilogia, que conta também as histórias de Cartola e Alcione. Mas antes mesmo de estrear “Dona Ivone Lara, um sorriso negro” virou manchete dos jornais pela escolha da protagonista. A cantora Fabiana Cozza, uma das atrizes escolhidas para representar a sambista, foi rejeitada nas redes sociais por militantes do movimento negro por ser negra de pele clara. Fabiana, apesar de ter o apoio da família da cantora, decidiu sair do projeto. A escolha e decisão de Fabiana trouxeram à tona o debate sobre colorismo até então pautado somente dentro do movimento negro. Fernanda Jacob assumiu o papel de Ivone na fase madura e a peça estreou no Rio de Janeiro em agosto, onde fica em cartaz até novembro. Em 2019, o espetáculo chega em São Paulo. Mais informações aqui.

4 – Exposição História afro-atlânticas – Masp/Instituto Tomie Otakie

Junto com o MASP, o Instituto Tomie Ohtake recebe a exposição Histórias Afro-Atlânticas. Com o recorte “Emancipações e Resistências e ativismos”, a mostra retrata trabalhos sobre os fluxos de pessoas entre a África, as Américas, o Caribe e a Europa. Há quadros que abordam a abolição da escravatura, a violência policial, as garrafadas usadas como remédios e venenos pelos escravizados. Tem também retratos de instituições símbolos de resistência como Ilê Ayiê e Irmandade da Boa Morte, na Bahia. Além de retrato de Luiz Gama (patrono da abolição) e quadros de Abdias do Nascimento e Sidney Amaral. A abertura no Masp reuniu um público negro considerável. Fica em cartaz até 21 de outubro. Mais aqui.

 

5 – Segundo Sol

A novela das 21h da TV Globo conta a história de um cantor de axé que é dado como morto e aumenta sua fama por conta disso. Os cenários mostram os cartões postais de Salvador. Tudo certo não fosse pelo fato da novela trazer apenas quatro negros em seu núcleo principal que conta com 26 atores. Como retrata uma cidade em que cerca de 80% da população é negra, a crítica e o barulho contra a novela nas redes sociais foi grande e até uma ação no Ministério Público foi ingressada pelos movimentos sociais. Se não houve mudanças efetivas nessa trama, com certeza, a maior emissora do país pensará duas vezes antes da próxima produção não abraçar a diversidade. A Globo prepara, inclusive, uma série em que o protagonista será um super-herói negro capoeirista.

6- Exposição Samba – Museu de Arte do Rio

A exposição propõe um percurso pela história social do samba — patrimônio imaterial brasileiro -, da diáspora africana à atualidade do samba carioca. A perspectiva da resistência e da reinvenção cultural atravessam a mostra, apresentando a potência do samba como fenômeno social e estético. Marcada por letras, músicas e figuras do samba estão expostas fantasias de carnaval, mas também a importância política desse ritmo brasileiro. A mostra está desde abril e tem entrada gratuita todas as terças-feiras. Mais informações aqui.

7– Flip

A Feira Literária de Paraty (Flip) 2018 foi feminina e preta. Depois uma intervenção da professora Diva Guimarães na Flip 2017 em uma mesa com Lázaro Ramos ter feito o ator chorar e viralizar nas redes, a organização do festival escolheu uma programação que destacou mulheres negras. A curadoria feita pela jornalista e crítica literária Joselia Aguiar contribui para esse movimento. A filósofa Djamila Ribeiro teve dois dos dez livros mais vendidos no evento. O público da Flip, predominantemente branco, também ficou mais diverso com mais gente preta pelas ruas históricas de Paraty.

8- Ocupação Ilê Aiyê – Itaú Cultural

Um bloco afro do Curuzu, bairro da periferia de Salvador, centrado em um terreiro de candomblé que virou um dos grandes ícones do carnaval, da resistência e que canta o poder e a beleza de ser negro. O Ilê Aiyê chega à Avenida Paulista “como um grito de resistência contra os desmandos históricos que oprimem a liberdade e a majestade que habita cada pessoa – no caso, os negros”, como diz o texto que anuncia a Ocupação no Itaú Cultural. Fundado no dia 1º de novembro de 1974, em Salvador (BA), e composto exclusivamente de pessoas negras, o Ilê Aiyê surgiu em um contexto de proibição velada dos negros desfilarem no circuito de Carnaval da cidade. A entrada é franca e a exposição vai até 6 de janeiro. Mais informações aqui.

9 – Iza/Rincon Sapiência/Luedji Luna

A cantora Iza foi indicada ao Grammy Latino e passou a apresentar o “Música Boa Ao Vivo”, no Multishow, substituindo Anitta e se tornando a primeira apresentadora negra do canal. Entre os sucessos neste ano, gravou a música Ginga, ao lado de Rincon Sapiência. Ele, por sua vez, agitou a galera que curte rap com Ponta de Lança, hit que saiu das fronteiras das periferias paulistana. Já Luedji Luna colheu os louros de seu disco “Um corpo no mundo”, lançado no ano passado, e passou a cantar em grandes casas e ser tocada nas rádios. A cada show um público maior passa a acompanhar a cantora, dona de poesias fortes, voz doce e de um corpo em movimentos encantadores.

10 – Exposição Jamaica, Jamaica – Sesc 24 de Maio

A escolha da primeira exposição de uma unidade do Sesc no centro comercial de São Paulo não poderia ter sido mais acertada. Localizado em frente à Galeria do Reggae, o centro cultural trouxe “Jamaica, Jamaica”, um panorama cronológico e histórico sobre a música jamaicana. Com a música da ilha caribenha como fio condutor a mostra traçou um olhar político, social e cultural da comunidade jamaicana. A exposição que ficou em cartaz até agosto mostrou que o país tem mais do que reggae e seu ícone universal, Bob Marley. Entre as exposições listadas foi a que mais vi negros em seus corredores.

11 – Dear White People/Atlanta

A segunda temporada da série do Netflix “Dear White People” (Cara gente branca) fez menos barulho do que a primeira, que estreou no ano passado, mas consolidou as várias discussões que o racismo incita e trouxe mais uma boa opção de entretenimento aliado a conhecimento sobre questões raciais. “Atlanta”, também disponível no Netflix, entrou na lista de séries obrigatórias depois do clipe This is America, de Childish Gambino, protagonista da série. Mais leve e debochada, mas com texto menos inspirado que Dear White People, Atlanta garante ainda assim boas risadas e vontade de acompanhar novas temporadas.

12 – Casa do Carnaval da Bahia

Tecnológico e interativo, o museu localizado no Pelourinho, em Salvador, retrata o período mais festivo do ano para turistas nacionais e estrangeiros que visitam a capital baiana. Inaugurado em janeiro, o museu traz músicas, história, fantasias, possibilidade de interação por meio de coreografias e aulas rápidas, além de peças icônicas como o shortinho utilizado por Carla Perez, quando era dançarina de É o Tchan. Os blocos afros, como Ilê Aiyê, Olodum, Malê e Muzenza, também têm papel de destaque. O preço de entrada é de R$ 30. Mais informações aqui.

13 – Basquiat no CCBB

O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo trouxe uma exposição retrospectiva de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), com mais de 80 quadros, desenhos e gravuras. Ele desenvolveu um estilo novo e expressivo, e tornou-se um dos destaques da retomada da pintura figurativa na década de 1980. A obra personifica o caráter de Nova Iorque nos anos 70 e 80, quando a mistura de empolgação e decadência criou um paraíso de criatividade. Imerso na cultura pop, o artista atraiu grande público, muitos deles negros, ao CCBB. A exposição fez jus à interessante obra do artista. A mostra passou também por Belo Horizonte e atualmente está em cartaz no CCBB do Rio até 7 de janeiro de 2019.

14 – Taís Araújo/Lázaro Ramos apresentadores na Globo

Em dezembro do ano passado, o ator Lázaro Ramos estreou na TV Globo como ia conflitos familiares, ouviae pessoas nas ruas e contava com a interação do povo por meio de vídeos e recados de redes sociais. A audiência não correspondeu ao que a emissora esperava, mas o apresentador caiu nas graças da casa. Ele voltou em outubro com o programa “Os melhores anos de nossas vidas”, que traz competições entre décadas. Já Taís Araújo arrancou elogios ao substituir Fernanda Lima à frente do Pop Star, reality musical que traz famosos cantando. Lázaro também apresenta o Espelho, no Canal Brasil, um dos melhores programas de entrevista da TV e disponível pelo Youtube. Tanto Lázaro quanto Thaís encerraram com chave de ouro a série Mister Brau, que teve quatro temporadas e contava a história de um cantor popular e sua empresária, vividos pelo casal.

15 – Rubem Valentim e Josafá Neves

Em cartaz na Caixa Cultural, em São Paulo, a exposição “Rubem Valentim – Construção e Fé”, vai até 16 de dezembro de 2018 e traz um panorama do trabalho do pintor e escultor baiano. As obras do artista sintetizam em formas geométricas as simbologias místicas de matriz africana e se destacam na arte moderna construtivista e concretista brasileira. Rubem Valentim também vai ganhar uma mostra no Masp até o fim do ano. Ainda na Caixa Cultural, a Exposição “Diáspora”, de Josafá Neves, conta com 29 peças autorais do artista, entre quadros em tela e esculturas que possuem em seus temas grande relevância para identidade social dos afro descendentes no Brasil. As exposições da Caixa Cultural têm entrada gratuita. Mais informações aqui.

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É interessante perceber que esse é um movimento sem volta. Ou seja, dificilmente os negros ficarão de fora do centro da pauta das artes no próximo ano. É esperar para fazer uma lista ainda mais bombante em 2019.

 

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Redação

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2 comentários

  1. Não sei qual é o problema pessoal que vocês têm com Emanoel Araujo, que os leva a ignorar o Museu Afro Brasil e as contribuições do Emanoel, em diferentes níveis.
    Emanoel. tem uma trajetória pessoal marcada pela superação de racismo e preconceitos de todas cores e formas.
    Apesar disso ele é, para começar, um dos melhores escultores brasileiros vivos. Além disco ele é uma dessas raridades de um artist que é ao mesmo tempo um administrador de primeiro nível: sua gestão transformou a Pinacoteca do Estado de um museu pouco relevante em um dos melhores Museus de SP (muitos têm dito que é O melhor museu de SP).
    Depois disso conseguiu o feito extraordinário de viabilizar um museu dedicado à história, cultura, lutas dos negros brasileiros. Aliás o museu começou graças à doação da coleção particular de Emanoel Araujo.
    Como Secretario de Cultura ele desenvolveu atividades extraordinarias como o projeto que distribuiu pela cidade outdoors com as fotos e as histórias das contribuições de pessoas que as pessas nem desconfiavam que fossem negras, como Machado de Assis, Teodoro Sampaio, José do Patrocinio etc. O impacto educativo e anti-racista dessas iniciativas ( e da programação gratuita do Museu Afro Brasil com escolas públicas, dentre outras coisas) com certeza serão reconhecidas no futuro como contribuições inestimáveis para a luta por um Brasil menos racista/precoceituoso, E, tão importante quanto, a contribuição do Emanoel para trazer ao primeiro plano a produção artística dos negros brasileiros (e suas conexões sem complexos, com a herança e a contemporeneidade da arte africana).
    Não consigo entender o que aparenta ser um esforço deliberado de não mencionar (esconder?) as atividades do Emanoel Araújo e suas contribuições para a luta contra o racismo/discriminações e revelação (é a palavra) do espaço ignorado da contribuição artística dos negros para a arte (e história) de um Brasil melhor

    • Não temos nenhum problema com o Emanoel Marinho e admiramos o trabalho dele como artista e reconhecemos os esforços dele na propagação de artistas negros. Nessa lista, buscamos contemplar ações de museus e espaço, que não costumam ter negros como protagonistas. Mas se olhar o site, verá que já fizemos pautas específicas sobre exposição do Museu Afro e já o listamos entre os lugares de cultura negra que as pessoas precisam conhecer.

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