6 motivos porque abolimos ‘denegrir’ do nosso vocabulário

Nos últimos dias sido marcado e recebido o vídeo ou postagem de um professor de cursinho sobre a palavra ‘denegrir’. Ótima oportunidade pra essa minha coluna no @guianegro . Começo lembrando que a palavra ‘denegrir’ surte antes do período escravocrata, mas isso não abona o seu sentido racista. Sabe por quê?
Veja seis motivos para abolirmos essa palavra do nosso vocabulário:
1. Denegrir vem de “denigrare” ou manchar, tornar algo manchado, num tempo onde não havia negros nem escravidão (não podemos pressupor que africanos em suas etnias são negros, certo? Esse nome é colonial!);
2. Palavras não são produtos. Palavras são unidades de significação que dependem de contextos históricos (vamos chamar os processos pelos quais as palavras mudam de vários nomes, dentre os quais simbolização, iconizarão ou indexicalização). No último caso, dá pra saber que algumas palavras nem sempre tiveram o significado que têm hoje. A palavra portuguesa ‘rapariga’ aqui no Nordeste é uma forma pejorativa de xingar moças com espírito livre e que se sentem livre para seguir sua vida como quiserem. Mas se formos pegar a etimologia da palavra, isso não nos leva ao sentido dado no nordeste, certo?
3. Palavras não têm história tão simples. Elas podem ser acessadas de forma muito distinta em vários sistemas semiótico-linguísticos, assumindo até o oposto do sentido que as criou ou para que foram criadas. Palavras como ‘mavambo’, que lembram pronúncias das línguas Bantu, hoje parecem mais serem usadas para nomear homens pretos de forma negativa no mundo gay. ‘Viado’ não é só um animal; ‘Piranha’ não é um peixe. Esse são alguns dos múltiplos exemplos para enxergarmos o que na língua se faz com as palavras: a depender do contexto semiótico, o sistema linguístico trabalha para “recepcionar” os sentidos dados por aquele tempo;
4. O racismo não é mero detalhe na nossa história. Ele é a régua que faz todo o sistema linguístico se indexicalizar ou o indexicalizar parcial ou plenamente.
5. Eu não falo de termos como “criado-mudo” e “fazer nas coxas”, por exemplo, porque o objeto do meu trabalho sempre foi a palavra ‘negro’;
6. ‘Denegrir’ pode não ter nascido como uma palavra racista, mas acabou se tornando (como ‘piranha’ ou ‘viado’ etc.
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Gabriel Nascimento

É linguista e escritor, autor de “Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo” (Letramento editorial). Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), foi Visiting Scholar na University of Pennsylvania, EUA. É professor da Universidade Federal do Sul da Bahia e colaborador no Programa de Pós-graduação em Letras da UESC, tendo atuado e colaborado (como autor ou parecerista) com diversos periódicos, como Critical Studies in Education, Journal of Sociolinguistics, Trabalhos em Linguística Aplicada e Revista Brasileira de Linguística Aplicada. É membro de diversos grupos de pesquisa, dentre os quais o Grupo de Pesquisa em Linguagem e Racismo (do qual é líder) e de diversas associações de área, como a Latin American Studies Association (LASA), Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB), das quais é sócio, além de ser membro do GT de Práticas Identitárias da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL). Autor ficcional, escreve desde os 9 anos, tendo passado por poesia, teatro, conto e romance, sendo esse gênero o primeiro a ter publicado no livro “O maníaco das onze e meia”. Ex-músico, tocou clarineta até os 17 anos, quando já tinha composto uma sinfonia, uma sonata e peças para clarineta.

Artigos: 6

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