Quem já morou ou visitou a cidade de São Paulo, com certeza, percebeu como o transporte é um fator importante dentro da maior capital do país. Pode ir de um lugar ao outro da forma e barata possível pode fazer toda a diferença no dia-a-dia de um paulistano. De olho nessa demanda nasceu o Pedale-se, que faz roteiros na zona leste de São Paulo, principalmente, na região de São Miguel Paulista, próximo a linha de trem da CPTM e o campus da USP Leste. Durante os passeios, bicicletas são fornecidas para os turistas, que seguem a equipe pelas ruas do tradicional bairro, ouvindo as histórias que os guias e os moradores têm a contar. O roteiro passa por pontos conhecidos do bairro, como a Praça do Forró e a Capela de São Miguel, que acaba de completar 400 anos, sendo uma das mais antigas da cidade.
Rogério Rai, criador e fundador do projeto, tem 33 anos e é cria da zona leste de São Paulo, maior região periférica da cidade. Ele conversou com o Guia Negro e contou sobre a época em que trabalhou como entregador de delivery na adolescência e chegou a cursar História na Universidade de São Paulo (USP). Durante o período da faculdade, que não chegou a concluir, foi onde a ideia para o projeto lhe ocorreu.
Rogério percebia que o trajeto entre o metrô e o campus, ou mesmo o trajeto dentro do campus principal da USP (que é conhecido como Cidade Universitária, de tão grande) poderia ser otimizado com o uso de bicicletas, que era um meio de transporte tão comum a ele. Com isso, passou a comprar bikes usadas na internet e revendê-las em pontos dentro do campus, com o objetivo de aumentar a própria renda. A ideia foi um sucesso durante um primeiro momento, porém começou a ser barrada por pessoas que tiravam ou atrapalhavam a divulgação das suas vendas.
Saindo da faculdade, ele foi para as redes sociais e utilizando de muito storytelling para convencer os clientes a comprarem suas bicicletas, o vende-se virou “pedale-se” e a sua relação com o assunto mobilidade urbana se tornou mais íntimo. De acordo com ele, o transporte hoje é o segundo maior gasto de quem mora em São Paulo, ficando à frente de alimentação e educação. “Para mim, se fala pouco sobre mobilidade urbana. Ela não está no centro do debate e isso é uma dor muito grande de quem mora na periferia. A bike vem pra melhorar isso”.
Ele acredita que a bicicleta pode ser vista como geração de renda, não só como meio de transporte. A criação do projeto partiu da necessidade de se inserir novamente no mercado de trabalho sem possuir uma formação acadêmica. Assim, enxergou no Pedale-se uma maneira de empreender, pois não queria mais voltar aos tipos de emprego que teve antes e considera a dificuldade de um homem preto periférico se posicionar no mercado. A ascensão profissional, a partir daí, tornou-se um foco. Empreender começou a parecer uma boa ideia, junto a uma vontade de trabalhar com algo que fizesse sentido para ele e com o qual se relacionasse de forma verdadeira.
A oportunidade de abrir o projeto veio durante um curso que ele fez junto ao grupo “Aro Sessenta” voltado para o cicloturismo, onde pôde ouvir de várias pessoas suas experiências pessoais relacionadas às bicicletas e em como elas influenciavam de forma positiva, principalmente, na qualidade de vida. Esse projeto, chamado “Viver de Bike”, olhava para a arte e cultura dentro da periferia de cima do banco da bike, trazendo o termo “cicloturismo” à tona durante os estudos.
Com os aprendizados do curso, Rogério começou a perceber que o turismo menor, mais regional, de bairro, poderia ser tão interessante e importante quanto aquele glamourizado, das grandes viagens para destinos paradisíacos. Entendeu que as pessoas querem ver os lugares de perto, ouvir as histórias dos locais e, com isso, se conectar de maneira melhor com os pontos que visitam.
Entre os desafios, está a falta de quantidade de incentivo público e atenção para a questão da mobilidade urbana. Hoje, a maior política pública de incentivo é de uma empresa privada (Bikes Itaú em parceria com a Tembici). Ele acredita que o governo, em duas diferentes escalas, precisam começar a olhar para o turismo com mais atenção. “O que tem sido feito para incentivar o turismo pós-pandemia? E para estimular a galera da quebrada? Não se tem muito rolê desse na quebrada. A gente faz um roteiro que traz a jornada do patrimônio na periferia, gera conversa de verdade.”
Atualmente, o “Pedale-se” possui uma parceria com o SESC, o que foi importante para entender a dimensão do projeto. Rogério diz que deseja um crescimento para o trabalho que vem realizando. Um sonho é ter um patrocínio institucional, para que os passeios possam ser realizados de forma gratuita para os próprios moradores ou pessoas que não possam arcar com os custos. Conseguir um contrato de divulgação do projeto para financiamento, e não só acessar investimentos por meio de editais específicos é outra meta. “Imagina a prefeitura comprando o plano, a nossa consultoria? Quero poder chegar em todas as periferias da cidade e não só aqui na zona leste.”
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