Além da natureza exuberante, deserto é povoado de misticismo e cultura ímpar
Guilherme Soares Dias, originalmente publicado em Raízes do Mundo
Quem visita San Pedro de Atacama, no Chile, está em busca das paisagens incríveis que proporcionam deleite e lindas fotos. Mas ao chegar à pequena cidade no meio do deserto mais árido do mundo você se depara com algumas lendas, curiosidades, histórias e cultura ímpar. Vivi seis meses por lá e ouvi muitas delas. A cada orador alguns detalhes mudavam, mas a essência das vivências são as mesmas. Comecei a contá-las para turistas brasileiros que visitam a cidade em um city tour que eu formulei. Reuni 15 dessas histórias aqui:
1 – Purkará de Quitor
Com edificações de rochas, a fortaleza tem visão privilegiada para as águas do Rio Grande. Foi construída no século XII e serviu como uma base de proteção dos atacamenhos que lutavam contra os invasores espanhóis. Foi declarada como Monumento Nacional do Chile em 1982 e não é oferecida pelas agências, podendo ser visitada de forma independente. Geralmente o passeio é feito de bicileta (3 quilômetros a partir de San Pedro) e é preciso pagar uma taxa de 3 mil pesos chilenos para entrar. Indico estar lá no pôr-do-sol.
2 – Bola de cristal
Encontrada em cima do vulcão Licancabur em 1996, a esfera de cristal é um dos maiores mistérios da região. Em uma expedição chefiada pela arqueóloga Ana Maria Baron, mergulhadores encontraram uma bola de cristal. Uma foto registrou o momento e acidentalmente a bola voltou a cair no lago. Oficialmente, ela nunca mais foi encontrada. Mesmo sem ter o objeto, Ana Maria diz que esse foi o maior achado científico de sua carreira. Várias lendas foram criadas em relação a essa história. Uma delas lembra que os chineses acreditam que o mundo tem sete chakaras que ajudam a equilibrar as energias do planeta e que eles têm formato de bola de cristal. Essa seria, portanto, uma das chakaras do mundo. Você pode conferir um pouco mais dessa história neste vídeo.
3 – Universidade de Tokio
Há um prédio da Universidade de Tóquio na cidade. O Japão é um dos países que compõem o Observatório Alma (Atacama Large Millimeter Array), onde cientistas observam as ondas eletromagnéticas do céu. O deserto é considerado um dos melhores lugares do mundo para esse tipo de estudo, já que se encontra na altitude, chove poucos dias por ano e tem pouca influência de luzes de cidades ou artificiais.
4 – Museu do Meteorito
A relação do deserto com o céu é tão intensa que há um museu dedicado aos principais meteoros que caíram na região. Lá, é possível tocar esses objetos de centenas de milhares de anos e conhecer um pouco mais da sua formação, história e importância. É um dos atrativos da cidade para os períodos sem passeios. Funciona de terça a domingo, das 10h às 13h e das 15h às 19h. Custa $ 3.500 (pesos chilenos)/$ 2.500 crianças, estudantes e professores. Fica na Rua Tocopilla 101 (esquina com Rua Licancabur).
Mais informações: www.museodelmeteorito.cl
5 – Não pode dançar
Em nenhum dos estabelecimentos da cidade é permitido dançar. Uma lei municipal restringe a cabarés a licença que permite a dança e não há restaurantes ou bares com essa licença. Nos restaurantes do centro com música ao vivo, caso você comece a dançar, será orientado a parar. No Lola, um karaokê, ou nos bares-restaurantes Barros e Mal de Puna as regras são quebradas de vez em quando. Mas se a polícia chegar sente. A multa, nesse caso, vai para o dono do local.
6 – Para beber, tem que comer
Na maior parte dos lugares você também vai precisar pedir uma comida, caso queira beber. Essa obrigatoriedade também ocorre por conta do tipo de licença que os estabelecimentos possuem. Uma das excessões é o Chela Kabur, um pub na rua Caracoles, onde é possível apenas tomar cerveja. E no Chile todo não é possível beber na rua.
7 – Não nascem bebês em San Pedro
Sem um hospital ou maternidade, as grávidas são encaminhadas para Calama a cerca de 100 quilômetros. Os bebês do Atacama costumam nascer por lá e serem registrados como sendo de San Pedro. Entre os indígenas, ainda é comum o parto ser conduzido por parteiras, geralmente mulheres mais velhas. A cidade abriga um posto médico para consultas.
8 – Coca não é droga; aproveite o chá
A folha de coca é super comum na região. Os locais mascam para aliviar os sintomas da altitude. Amarga, a folha não é alucinógena nem é considerada ilegal. Uma das melhores maneiras de aproveitar seus efeitos é preparando um chá. Ela é facilmente encontrada nas feirinhas da cidade. A chachacoma é outra planta local com os mesmos efeitos medicinais.
9 – Chilenês
Existem palavras que só existem no Chile. Nenhum outro país que fala espanhol tem tantas gírias e termos próprios. Conheça alguns: pololo/a (namorado/a); ao tiro (agora), chela (cerveja), carrete (sair para beber), quatico (estranho), guagua (bebês), weon (cara/boludo), wea (coisa) entre outros.
10 – Múmia no meio da rua
Em janeiro de 2017, uma múmia foi encontrada no meio da rua, próximo ao Museu Gustavo Le Paige. Um carro passava e percebeu um deslizamento, ao descer o motorista se deparou com parte de um esqueleto. A polícia cercou a área e foram chamados arqueólogos para escavar o local. Os índios locais rezaram pelo ancestral encontrado, enquanto os curiosos eram impedidos de tirar fotos. O esqueleto tinha cerca de 500 anos e foi levado para a universidade de Antofagasta.
11 – Frutas do deserto
Mesmo em uma região tão árida, há frutas características. É o caso da tuna (foto), proveniente do cactus. Também é possível encontrar uma fruta chamada pepino (diferente do legume brasileiro), diferentes tipos de milhos (de várias cores) e quinoa por preços populares.
12 – Teto da igreja é de cactus
A igreja de San Pedro de Atacama é uma das construções mais antigas da cidade. Já sofreu com terremoto, atentados e incêndio. Há alguns anos a fachada era pintada de branco e hoje voltou a ter cor de barro (adobe). No teto e nos portões você pode perceber a madeira de cactus (com furinhos). No piso, há um quadrado de vidro que mostra como ele era originalmente. E no centro do altar com manto vermelho está São Pedro, o padroeiro da cidade.
13 – Região já foi Bolívia
Até 1883 a região do Atacama pertencia à Bolívia. Na Guerra do Pacífico, em que o Chile buscava controlar o salitre (fertilizante) produzido nessa área, o deserto passou a pertencer ao país de Pablo Neruda. A Bolívia perdeu sua saída para o mar e até hoje se ressente disso.
14 – Vulcões têm caso de amor
Os vulcões Licancabur e Juriques são dois irmãos que vivem lado a lado. O Lascar é o vulcão que está ativo até hoje e pai da Quimal, a única que faz parte da Cordilheira de Domeiko e é vigiada pelos vulcões da Cordilheira dos Andes. O Lascar buscava que a Quimal casasse com o vulcão mais bonito, o Licancabur. Mas o Juriques se envolveu com ela. Num acesso de fúria o Lascar mandou cortar a cabeça do Juriques, que pode ser observado até hoje sem uma parte de sua estrutura. Já o Licancabur não desistiu da Quimal e uma vez por ano, quando o sol nasce atrás do vulcão transformando-o num gigante, a sombra dos dois vulcões se encontram. Isso ocorre depois do solstício de inverno (nos primeiros dias de agosto), quando é comemorado o ano novo likan-antay. A cultura indígena local acredita também que ela representa a fertilidade da mulher fazendo com que receba diversar oferendas.
15 – Lítio e a sensação de bem-estar
O Atacama abriga a segunda maior reserva de lítio do mundo, perdendo apenas para o Salar de Uyuni, na Bolívia. O país vizinho ainda não explora o mineral, famoso por ser utilizado para fabricar baterias de computadores e celulares e para remédios dosadores de humor para bipolares. O lítio ajuda, nesse caso, na sensação de bem-estar não deixando as pessoas terem nem euforia, nem depressão. Como é extraído por meio de evaporação, há uma lenda urbana de que ele está no ar da região e que quem está no Atacama tem essa sensação de bem-estar o tempo todo. Difícil quem já esteve por lá não concordar.