Museu do Juquery expõe obras de artistas que foram tratados como loucos

Oito mil peças fazem parte do acervo; público pode visitar exposição gratuitamente

Texto: Guilherme Soares Dias/Fotos: Heitor Salatiel

A arte superou a dor, o esquecimento e o estigma da loucura. Essa é a impressão que se tem ao chegar no Museu de Arte Osório César (MAOC), também conhecido como Museu do Juquery, nome do maior hospital psiquiátrico que teve um histórico sombrio de tratamentos cruéis, localizado em Franco da Rocha, na grande São Paulo. O museu funcionou de 1985 a 2005, quando houve um incêndio, que acarretou em seu fechamento. Uma obra de Ubirajara Ferreira Braga previu o incêndio seis anos antes do acontecimento. É ela que abre a nova versão do museu. Ao todo, oito mil peças fazem parte do acervo, sendo 3 mil de Ubirajara. Os curadores Hélio Menezes e Pedro Quintanilha foram os responsáveis por selecionar 270 peças que fazem parte da exposição permanente “A Luz atrás dos Muros”.

“Não há amarras estéticas, mercadológicas, de moda. Eles criam arte porque não dá para viver sem arte”, diz um dos curadores do museu, o antropólogo Hélio Menezes. Ele conta que a primeira vez que visitou a reserva técnica onde estão as obras teve uma crise de choro ao se deparar com equipamentos como cadeira de amarração e máquina de lobotomia, onde alguns internos eram torturados a poucos metros das obras. A história da violência e das artes caminham juntas no Juquery. “Talvez seja a própria arte”, resume Hélio.

Muitas obras fazem reprodução de artes clássicas. Há peças no Museu de Arte de São Paulo (MASP) e algumas já participaram de exposições na Alemanha, mas ainda sob o estigma da loucura, uma terceira morte para aqueles que tiveram sua mente silenciada em vida, perderam a vida e agora morrem socialmente com o título de loucos.

Hélio Menezes e Pedro Quintanilha em frente ao Museu de Arte Osório César

Já Pedro Quintanilha, 64 anos, conhece o acervo desde 1985 e diz que fazer a curadoria das obras foi um sonho antigo. “Há vários graus de inventividade que eu queria que mais pessoas conhecessem”. Entre as peças, estão esculturas, tapetes, bordados. As pinturas estão dispostas por temas diferentes como reprodução do hospital, sexual, religiosa, delírio, autorretrato, entre outros. São mais de 60 artistas que, em diferentes momentos da vida, tiveram suas trajetórias marcadas pela internação no Complexo Hospitalar do Juquery, tomando-as a partir de seus próprios códigos, sua própria chave. Entre os artistas que se destacam estão: Ubirajara Ferreira Braga, Maria Aparecida Dias, Istvan Csibak, Aurora Cursino dos Santos, entre outros.

“Quais limites divisam a loucura e a lucidez? Quem define os parâmetros do que é considerado arte e do que não é? Essas questões reverberam dentro dos muros do Hospital do Juquery”, define a organização. Estão preservadas e, agora, expostas, “símbolos da potência dos internos para produzir obras que versam sobre experiências distintas de conexão dos alienados com o mundo”. Além do museu, o complexo recebeu um teatro de arena e uma ponte que liga ao parque da cidade. O local pode ser facilmente acessado por trem (CPTM) da Linha 7-Rubi, que sai da Luz, em São Paulo.

História

Além daqueles que eram considerados loucos ou com problemas mentais, o hospital era destino de imigrantes, desempregados, prostitutas. Cerca de 15 mil pessoas chegaram a viver de uma só vez distribuídas nos oito pavilhões, sendo o maior complexo psiquiátrico da América Latina. O período mais frenético foi em 1930 a 1964. A cidade de Franco da Rocha ainda carrega o estigma por ter várias casas de internos, além do hospital psiquiátrico, a cidade de 150 mil habitantes é marcada por presídio e asilo e tenta se ressignifcar com festivais como o “Soy louco por ti Juquery” e agora com o Museu de Arte Osório César.

O nome do museu homenageia o médico psiquiatra do Juquery por mais de quatro décadas,  foi um dos pioneiros no Brasil a pesquisar e a aplicar o uso da arte como recurso terapêutico em pacientes psiquiátricos. O site do Masp destaca que “por acreditar tanto na potência artística dos internos quanto nas qualidades estéticas de seus trabalhos, Osório César, que foi companheiro da artista Tarsila do Amaral, promoveu exposições de desenhos e pinturas criados no Juquery”.

O Hospital Psiquiátrico do Juquery era denominado Asilo de Alienados do Juquery e foi inaugurado em 1898. O projeto arquitetônico foi concebido por Ramos de Azevedo e a administração das primeiras décadas do complexo ficou a cargo do médico psiquiatra Francisco Franco da Rocha, que dá nome à cidade-sede do hospital. Atualmente, o Complexo Hospitalar Juquery desenvolve uma política antimanicomial, com atividades ligadas à saúde e ao bem estar da população paulistana. “Aprendemos com os artistas do Juquery (artistas do mundo), a confiar na desrazão, a ‘fugir da rotina burocrática que atrasa o bom andamento do progresso artístico’, como escreveu Ubirajara. Suas obras, testemunhos da força de vida e da existência de indivíduos que se sobrepuseram à institucionalização de seus corpos, às tentativas de despersonalização de suas subjetividades, são como luzes que, não só no fim, mas por detrás das paredes do túnel, dos muros reais ou imaginários erguidos para sua contenção, alargam frestas, alicerçam mundos”, finaliza Menezes.

Serviço: O museu fica na Avenida dos Coqueiros, 441, Centro, Franco da Rocha (em frente à estação da CPTM-trem que sai da Luz). Abre de terça a domingo, das 11h às 19h e tem entrada gratuita.FAÇA SUA CONTRIBUIÇÃO AQUI 

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Redação

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