A estrada para encontrar o outro – e para encontrar a si

Por Anderson Lopes*

Seus dois filhos ainda eram adolescentes quando o assistiram sair de casa no momento em que sua companheira propôs o divórcio.

Amava a ex esposa, amava e segue amando os filhos,
mas ali a vida precisava seguir.

Dois anos mais tarde, com os filhos ainda adolescentes, se apaixona novamente. 

Um deslumbramento inesperado. Não planejado.
Desta vez por alguém parecido com ele. 
Também moreno. Também com barba.
Também intenso.

Não se passava pela sua cabeça que poderia acontecer,
não imaginara,
não com um homem.

Até o dia que se conheceram.

Veio o desejo.
Avassalador desejo.
Nunca antes vislumbrado.

Que evoluiu.

Do encontro, o desejo.
Do desejo, a paixão.
Da paixão, o convívio, a admiração.
Para o amor foi um pulo.

O grande amor da vida!
Daqueles que imaginamos únicos e quase sempre são.

Um convite para morar juntos. 
Um convite para morar nos Estados Unidos. 
Pouco depois, um convite para casar.

– Casar pra quê? Já não moramos juntos?

Cada aniversário de namoro, uma viagem. Cada viagem, fotos juntos, memórias – e o amor que crescia no cotidiano, no dia a dia, parecia iluminar tudo nestes momentos em que ambos não estavam trabalhando.

Uma vida feliz. 
Muitas viagens. 
A fluência no inglês. 
A calmaria no amor.
A calmaria.

Após o choque inicial, os filhos atravessaram o oceano e conheceram seu companheiro. Sua ex-esposa também o conheceu, quando viajaram de férias para o Rio de Janeiro. 

A vida seguia boa até que a vida pisou no freio.
Pisou bruscamente no feio.

De repente, viúvo. 
Repentinamente.

Uma herança inesperada. 
Não quero dinheiro,
eu quero meu amor,
meu companheiro.
Só quero o meu companheiro,
só quero o meu amor, de volta.

A dor.
O desespero.
A vida perdeu o sentido. 

Deixou para trás todos os bens deixados para ele.

Nem quis saber. 
Aquilo não tinha importância.
Deixou tudo lá, nos Estados Unidos
e voltou para Niterói 

incompleto.

——

Conheci Antônio durante a pandemia, numa estrada no norte da Bahia.

Ele tinha saído de Niterói há cinco meses e todos os dias caminhava puxando um carrinho de feira onde levava seus pertences. 

Paramos no mesmo ponto de ônibus para passar a chuva. 

Eu, de bicicleta, viajando sozinho, procurando entender e preencher minhas lacunas. Fazendo o isolamento social em movimento na tentativa de não pirar dentro de um apartamento.

Ele, caminhando,
também para não pirar dentro de um apartamento durante a pandemia.

Na verdade era bem menos sobre a solidão no apartamento,
e muito mais pelo encontro intensivo com o que sentimos no peito
e os pensamentos que chegam sem pedir licença nas nossas cabeças.

Aquele trauma da infância,
que aparece.
Uma lembrança da adolescência.
As dores ou saudades da última relação amorosa.

Tudo que parecia ter ficado pra trás porque a gente deixa embaixo do tapete enquanto se distrai com um milhão de tarefas no dia a dia… tudo aquilo vem à tona quando se acabam os compromissos e distrações.  

Sair do apartamento parecia resolver.
Estar em movimento parecia resolver.
Pelo menos foi assim pra mim e para Antônio.

Antônio passava o dia caminhando.
Era a única coisa que deixava seus dias mais leves.
A dor que ele sentia desde que perdeu seu grande amor, nunca passou. 
Andar pelo mundo amenizava
e ele seguia
Viajando para organizar a cabeça.

Era um viajante.
Tantos países, tantas histórias, tanta riqueza.
Mas com aquela barba grande, aquelas roupas queimadas do sol, as pessoas não o reconhecem como viajante. 

Na verdade, a sociedade nem enxerga Antônio, que segue invisível.

Acredito que ele goste desta condição. 
De passar despercebido pelos cantos.

Quando nos encontramos já faziam cinco anos que ele tinha voltado ao Brasil, e não demonstrava nenhum arrependimento de não ter trazido nada da herança que ganhara nos Estados Unidos.

Antônio caminhava seguro das suas decisões, e parecia feliz por caminhar.

Um homem sensível,
que no imaginário das pessoas, pelo seu visual, pode parecer um homem bruto.

Tantas histórias pra contar. 
Tanta poesia.

Antônio é pura poesia.

Ele não usa Instagram e eu vejo que tive muita sorte em conhecê-lo,
sorte de ouvir sua história,
de ouvir a forma como ele contou. 
Linda, triste e emocionante.
Um amor de infinita beleza!

Esse foi um dos grandes presentes de ter feito uma cicloviagem por um Brasil de ruas vazias. De cidades vazias. Um Brasil isolado.

Viajar e estar aberto para ouvir.
Ouvir histórias é minha grande paixão, depois de contar histórias.

Se você é um apaixonado, como eu, desejo que estejamos sempre abertos para esses encontros.
Sempre abertos para ouvir.

Pessoas são musicas esperando para serem ouvidas.

Escutem!

*Anderson Lopes é viajante, contador de histórias, produtor cultural e articulador de projetos políticos e sociais com foco na população negra. Já fez de tudo nessa vida. Foi camelô, músico, produtor cultural e dono de bar. Largou tudo na pandemia para conhecer o Brasil de bicicleta, fazendo o isolamento social em movimento, conhecendo o mundo com os seus olhos e descobrindo lugares incríveis dentro de si. Chegou recentemente de uma temporada no Sudeste Asiático, e atualmente mantém o foco na newsletter que escreve semanalmente e em outros projetos de escrita.

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