As viagens que não estão na memória

Por Anderson Lopes*

Um táxi de casa para o aeroporto. Certamente olhando o celular. Check in, embarca, voa, aterrissa. Do aeroporto, um táxi para o hotel. Tá quente hoje, né? Pergunta o motorista. E a interação fica apenas nisso. Check in no hotel. Sobe para o quarto e deita na companhia do celular, pensando na programação do dia seguinte.

Café da manhã. Transporte até o sonhado ponto turístico. Aquele que era o motivo principal da viagem e estava no roteiro desde o dia em que comprou as passagens. Selfies. Pede para alguém tirar uma foto. Certamente igual a que todos os outros turistas fazem naquele lugar. Almoço rápido, de qualquer jeito, comendo qualquer coisa e em pouco tempo porque a tarde tem outro ponto turístico para fazer mais fotos iguais às fotos de todos os outros turistas para postar nas redes sociais.

Talvez um bar à noite, onde bebe, olha a música e não sai do celular. Os outros dias se repetem assim, até o momento de voltar para casa. De voltar ao trabalho na segunda-feira.

Essa história já foi minha. Possivelmente sua, e certamente de alguma pessoa que você conhece.

Estamos sempre correndo. 

Esta semana, ao olhar as fotos das minhas viagens mais antigas, me dei conta do preço de toda essa correria, pois percebi que não conheço vários dos lugares que visitei. E o mais grave: não tenho histórias pra contar sobre aquela viagem.

Quando viajamos desta forma, normalmente é bem pouco, o que aprendemos sobre o lugar. Não fazemos amigos. São raras as trocas interessantes e a lembrança que fica é a daquela foto no ponto turístico. E foi daí que veio a minha frustração desta semana. Fotos minhas em lugares que eu não conheço.

Sobre isso, tem uma história que para mim, soa bem didática.

Uma grande amiga é fotógrafa de revistas de viagem. Um desses veículos decidiu fazer uma matéria comparando duas maneiras de viajar a Machu Picchu, uma com dinheiro sobrando e a segunda com grana curta. 

Ela e mais uma jornalista foram incubidas de fazer o lado sem grana da viagem e foram de ônibus. O editor e outro fotógrafo viveram a parte rica da história. Foram de avião, ficaram em hotéis chiques.e como chegaram primeiro, permaneceram curtindo o hotel e alguns restaurantes enquanto a outra dupla estava a caminho.

Para elas, muitas horas na estrada, alguns perrengues, ônibus quebrados ou com atraso, mas tanta coisa aconteceu nesse processo. Foram ajudadas pelas comunidades locais do caminho, foram convidadas a dormir na casa das pessoas, comeram comidas que só existiam naquela região, pratos que nunca teriam comido se não tivessem ido daquela forma. Fizeram amigos e conheceram paisagens exuberantes.

Ao chegar e contar à outra dupla tudo que aconteceu, elas empolgadíssimas e gargalhando percebiam cair, o sorriso dos seus colegas. Sabe quando o sorriso cai? Desse jeito.

Eles confessaram não ter vivido nada. Curtiram o luxo e só. Depois de ouvir os relatos delas, confessaram que sentiram uma invejinha. Falaram que ali, apesar de todo o conforto, era tudo muito frio.

O que trago aqui não é uma crítica ao  luxo e conforto.

Isso também não é uma romantização ao perrengue. 

E também não tem relação com a quantidade de dinheiro que se tem para uma viagem.

É mais uma provocação sobre o quanto de vida tem nas nossas viagens.

Apesar das maravilhas que vivi desde que comecei a cicloviagem pelo Brasil, na temporada na Europa, e na temporada mais recente no sudeste asiatico, este que vos escreve carrega uma frustração pelo que não viveu nas viagens antigas.

Me bateu uma vontade de voltar a esses lugares fazendo tudo diferente. Com algumas práticas que se parecem mais com meu estilo de viagem hoje.

Como optar por turismo de base comunitária, para ter vivências, calor humano, aprendizado e conexão com o território.

O que mais tem me dado prazer, ultimamente, é me alimentar com calma (e com tempo) em restaurantes dos locais em detrimento dos empreendimentos de gastronomia criados por estrangeiros.

Me hospedar em campings, hostels e alguns tipos de pousadas, por propiciar interações com outros viajantes, e assim receber dicas do que fazer naquela cidade ou em outras. A gente sempre acaba aprendendo alguma coisa e se abrindo para opções além das vindas do trade turístico tradicional, que quase sempre estão atreladas a consumo.

Visitar o comércio popular e mergulhar na cultura local.

E o principal: me permitir ter tempo livre. 

Você já imaginou visitar um museu com pressa? Era isso que eu fazia, por ter outro compromisso logo em seguida. Hoje eu prefiro fazer menos coisas. Fazer escolhas. Abrir mão de um ou outro atrativo, para fazer tudo com calma. E o melhor, ter tempo para as surpresas do caminho.

Agora tu vê, né? Primeiro texto no Guia Negro, poderia ser uma crônica de viagem. Tantas histórias legais para falar, o cara traz a frustração das histórias que não viveu no passado. Enfim, a hipocrisia.

Mas então. O fiz por imaginar que você também possa ter passado por isso. Acho que todo mundo, né? E a partir daí a gente acaba trocando. É para isso que escrevo.

E para ler mais textos como este, eles saem semanalmente no cadeandesonlopes.substack.com.

Te espero lá.

Frustração das histórias que não viveu no passado. Histórias que você possa ter passado. A partir daí a gente troca. É para isso que escrevo.

*Anderson Lopes é viajante, contador de histórias, produtor cultural e articulador de projetos políticos e sociais com foco na população negra. Já fez de tudo nessa vida. Foi camelô, músico, produtor cultural e dono de bar. Largou tudo na pandemia para conhecer o Brasil de bicicleta, fazendo o isolamento social em movimento, conhecendo o mundo com os seus olhos e descobrindo lugares incríveis dentro de si. Chegou recentemente de uma temporada no Sudeste Asiático, e atualmente mantém o foco na newsletter que escreve semanalmente e em outros projetos de escrita.

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