Akins Kintê: o “poeta correria” que produz um conto por dia na quarentena

Texto: Guilherme Soares Dias* | Edição: Nataly Simões

“Se cuida memo
Preta fica em casa
Já já a gente embrasa
Sai por ai causando
Pelamô vai se cuidando
Pensamento obsceno
Deixa a mente criar asa
Se nós se ver, se pá atrasa
E a delonga esse veneno

Volúpia né? Quarentena
Se cuida ai que aqui me cuido
No apetite, quero teus vãos
Lambuzar tuas mãos, os lábios carnudos
Devorar tuas águas, todo sabor
Cê sabe, nois tumultua tudo
Se cuida pelamô”.

Esse é um dos versos que o poeta paulistano Akins Kintê, 36 anos, produziu nesta quarentena por conta da pandemia da Covid-19. O artista se define como “correria” por ter três edições de um mesmo livro de poesia independente. “Minha referência é a rua, me pareço com o feirante, camelô, negociador de rua. Não posso reclamar. Estou desde 2014 fazendo isso”, conta.

Akins mora na Santa Ifigênia, na região central de São Paulo, onde já trabalhou como vendedor. Seus versos trazem a ginga da rua, além de palavras do candomblé e de línguas africanas. “Fiz um poema com palavras kimbundo chamado ‘uma cota nosso bang’ presente no cd pelamô”. Akins diz que mesmo com os desafios que 2020 impôs tem tentado fazer um poema por dia. “Somos da rua, povo de afeto. Nessa fase do ano já era para começar a ferver as escolas de samba. Não tá fácil, tem dias que não tô legal, mesmo assim tento fazer um poema, um conto”, afirma.

Uma das maiores referências no começo da carreira foi a antologia “Cadernos Negros”, publicada desde 1978 e que em 2020 chega a 43ª edição. “Conheci na edição 23, tinha 16 anos e vi pessoas declamando. Me fez querer fazer isso”, lembra. Akins recorda que começou a escrever, pois andava com o pessoal do Rap. “No samba você canta música dos outros, mas no rap são músicas autorais. Como não tinha flow comecei a me identificar com literatura poética. Esses caras rimam demais”, conta.

Kintê considera que sua música tem ritmo e poesia e afirma que rappers como Rincon Sapiência são extraordinários em seus trabalhos. Além disso, ele ressalta que a poesia ganhou instrumentais mais ligados ao samba. Em tempos sem pandemia, Akins organiza o Sarau do Kintal, que ocorre a cada segundo sábado de todo mês na Brasilândia, na zona norte paulistana. O último foi em fevereiro e contou com a presença de Eduardo Brechó, da Banda Aláfia.

Enquanto conversava com o Alma Preta online, arrumava sua prateleira de livros. “Estava procurando o livro do Allan da Rosa. Odeio procurar um livro e não achar”, conta. A reportagem pergunta quem são suas referências, Akins cita Cuti: “Gosto muito de ler suas poesias e contos”, mas também Conceição Evaristo, Chester Himes, o compositor de samba Nei Lopes, além de Raquel Almeida, de quem cita o livro Contos de Yõnu.

Desde 2019, Kintê faz um trabalho de arte-educador na Fábrica de Cultura de Diadema, na Grande São Paulo. Seu sonho agora é abrir uma livraria na região central que reúna a “galera preta”. “Quero um espaço que as pessoas tomem um café, leia um livro e desenvolva a leitura. É essa ideia que vou trabalhar pós-pandemia”, planeja. Enquanto a livraria não se torna realidade, ele escreve a falta de ir a lugares como o quilombo urbano Aparelha Luzia:

“Era pra nós tá onde? Nosso bonde implacável
Contando vitória com texto inexplicável
Uns com cerva outros com erva, olhar em centelha
Era pra nós tá onde?
Nessa sexta favorável

Do nosso jeito, no jet
No flerte, com mais de um peguete
Mexendo a raba onde nós se acaba
E o respeito não é embrulheira
Era pra nós tá onde?

A gente respira, a gente vive
Inspira a vida se a gente repara
Os cara beijando a boca de outros caras
Bonito e livre, gatos sob a telha
Era pra nós tá onde?

Noites quentes, nunca vãs
Noites de entrar nas manhãs
Com os irmãos as irmãs
Os Traquinas, as trans
Quem nós se espelha
Era pra nós tá onde?

Falando pra escritora. prazer lê-la
Pro mulekote amigo, prazer vê-lo
Pa pretinha amada, prazer tê-la
Em uma voz única, cantarolando
A gente assim dançando tudo move
Na caixa de som pesado groove
Já já passa o covid-19, manas e manos
Já já onde nós tamo?
Na Aparelha, no quilombo urbano
Tumultando”.

Serviço:

Livros de Akins Kinte: Muzimba na Humildade sem Maldade; Incorporos Nuances de libido; Nos Kintais do Mundo.
Valor: Um livro custa R$ 30,00 e dois saem pelo valor de R$ 50,00
Contato: https://www.instagram.com/akinskinte/
Observação: O poeta envia pelos correios para todo o Brasil

*Originalmente publicada no Alma Preta

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Redação

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