Caminhada negra e as histórias não contadas

Uma experiência sobre conhecimento, representatividade e pertencimento

Por Rodrigo Xavier Franco*

Ano passado, em 2018, me dei conta de um fato: Nunca lera um livro de uma escritora africana. Eu, amante de literatura e militante do movimento negro, cometera esse grave deslize. Para piorar, tentei me lembrar de quantos autores negros eu já tinha lido. Me surpreendi quando percebi que estudara apenas Machado de Assis e Carolina Maria de Jesus. Desde então, dediquei-me intensamente a explorar a literatura negra.

Essa iniciativa me trouxe novos conhecimentos e questionamentos. Descobri uma riqueza de conteúdos, histórias silenciadas e fatos narrados sobre diferentes perspectivas. Era a negritude sendo relatada por pessoas negras. A identificação foi imediata. Ontem, uma nova experiência me mostrou o quão pouco sabemos de nossa história: a caminhada negra, promovida pela Blackbird.

A descoberta

Moro na região central de São Paulo. Em uma de minhas andanças, vi, colada em um post, uma imagem de pessoas negras em frente ao Largo do Arouche e uma menção à história negra que foi apagada. Chegando em casa, procurei pelo evento e cheguei ao site da Diáspora Black. Fiz a inscrição e aguardei ansiosamente pelo dia.

Domingo, 10h da madrugada, bairro da Liberdade. Esse era o horário e local de encontro da caminhada. Não gosto de acordar cedo, mas não tive problemas com isso. Fui a pé. Ao chegar lá, encontrei um grupo de pessoas de maioria negra, mas ainda assim heterogêneo, concentrado em frente a uma igreja. Logo, percebi que estava no lugar certo.

A recepção foi impecável. Os organizadores são muito educados e acolhedores. Ao chegar, recebi um guia com todo o itinerário e um breve histórico de cada local a ser visitado. Então, demos início.

O quanto você sabe da história negra?

Estação Liberdade, região central da cidade de São Paulo

Recentemente, a estação “Liberdade” da linha azul do metrô paulistano teve seu nome alterado para “Japão-Liberdade”, uma forma de homenagear a comunidade japonesa, muito presente no bairro.

A mudança gerou muitos debates. Muitos críticos relataram que no bairro também transitam um sem número de chineses e coreanos e essa alteração no nome da estação poderia, de certa forma, invisibilizá-los. Concordo. Um post, contudo, chamou-me a atenção, pois descrevia a história do bairro antes da chegada de imigrantes japoneses e, acreditem, Liberdade era um bairro ocupado por uma população majoritariamente negra.

No século XIX, a região, até então considerada periférica, era conhecida como “Bairro da Pólvora”. A atual praça da Liberdade abrigava uma forca, destino daqueles que eram condenados à morte, em sua maioria negros, índios e andarilhos. Em setembro de 1821, um soldado chamado Francisco José das Chagas, mais conhecido como “Chaguinha”, foi condenado à forca. Curiosamente, foram feitas duas tentativas de enforcamento, nas quais a corda rompeu-se. As pessoas que assistiam à cena gritaram: “Liberdade!”, pois acreditavam que o rompimento da corda se travava de um milagre. Infelizmente, Chaguinha foi posteriormente assassinado. O bairro, no entanto, carrega no nome o feito do soldado.

Como disse, só tive conhecimento desse fato há um ano. Na escola, nunca ouvi relato algum sobre Francisco José das Chagas, assim como outras importantes figuras negras como: André RebouçasTheodoro SampaioMaria Firmino dos Reis, etc. A lista é enorme. A negritude é retratada apenas na escravidão. Nossos escritores, engenheiros, revolucionários são frequentemente negligenciados e “esquecidos” por boa parte da elite acadêmica. Por isso, iniciativas como a caminhada negra são fundamentais para resgatar a história apagada e conscientizar afro-descendentes sobre todas as contribuições que já fizemos.

Troca de conhecimentos

A história do bairro da Liberdade e muitas outras são contadas na caminhada. Também somos informados sobre importantes acontecimentos no bairro da Bela Vista, antigo local de encontro de muitos negros; no Vale do Anhangabaú, onde escravos eram comercializados; na rua 24 de maio e tantos outros locais. Participar do evento foi como fazer uma imersão na história negra paulistana. Diferentes pessoas, de diversas cidades brasileiras interessadas em aprender mais sobre fatos relacionados à negritude. Não posso deixar de comentar que, embora são os organizadores que relatam ao público os eventos históricos de cada local, é permitido e incentivado que outras pessoas que participam da caminhada façam contribuições sobre assuntos que tem propriedade. Logo, qualquer integrante do grupo pode pegar o microfone e explicar aos demais sobre assuntos pertinentes a história do local. Não há hierarquia de conhecimentos.


O que você está esperando para conhecer?

https://blackbirdviagem.com.br/city-tour-sp-negra/

*Psicólogo e ativista, que participou da Caminhada São Paulo Negra em 17 de março de 2019

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Redação

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