Texto: Thalyta Martina, do Alma Preta
Fazer intercâmbio dá chance ao participante de viver muitas histórias, agregar experiência ao currículo e ao crescimento pessoal, além de permitir ter visão mais ampla de mundo. Além disso, quem o faz adquire uma série de saberes para ter condições de resolver situações complicadas de modo autônomo.
Uma das formas mais consagradas de intercâmbio é o universitário. As universidades públicas e parte das privadas oferecem aos seus estudantes a possibilidade de estudar em outra instituição de ensino superior em diferentes países, com culturas distintas da brasileira.
Negros fazem intercâmbios?
A ressalva vem à tona ao se recordar que a universidade, em especial a pública no Brasil, é um privilégio da classe média branca. De acordo com pesquisa feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o percentual de negros com idades entre 18 e 24 nas universidades brasileiras mais do que dobrou desde 2005, mas, ainda assim, está significativamente abaixo do número de estudantes brancos no espaço acadêmico público ou privado – 5,5% dos jovens negros estavam na universidade em 2005, ao passo que 12,8% compunham o nível superior em 2015.
A experiência do intercâmbio parece ser também privilégio da classe média branca. De acordo com dados do MEC (Ministério da Educação), até 2015 os afrodescendentes responderam por 25,23% das vagas oferecidas pelo Ciência sem Fronteiras. A etnia foi incluída no formulário de inscrição do programa em 2013.
E, então, como são os intercâmbios feitos por jovens negros?
Iacy Correia (foto) está na França desde setembro de 2017, fazendo mestrado em comunicação e territórios na Universidade Paul Sabatier, em Toulouse. De pele retinta, ela explica que a maioria das pessoas pensa que ela é de algum país africano. “Existe um estereótipo de que brasileiros são negros mestiços e de pele clara. Quando descobrem que eu sou brasileira, o tratamento muda, entra o estereótipo ‘da mulher fácil’ e alguns demonstram ter intimidade que não existe”.
Sobre o racismo, ela afirma que raça não é um assunto abordado em nenhuma esfera no país, mas é um problema social que existe naquela sociedade também. “É bem difícil. Na verdade, porque existe racismo na França, mas se fala sobre isso. Às vezes, acontece algo e você não tem como se defender, pois não conseguiu identificar aquilo.” Outra questão é que em uma sala de 17 alunos, ela é a única negra.
Com todas as questões, Iacy gosta de estar estudando fora. Ela é a primeira da família a fazer intercâmbio para aprender uma língua estrangeira e para fins acadêmicos, como o atual na França. O primeiro ela fez em Dublin, em 2012, para estudar inglês. O objetivo era turbinar a carreira após ter perdido oportunidades de emprego para pessoas que não tinham tanto conhecimento prático, mas tinham intercâmbio no currículo.
“É bem gratificante estar aqui e é prazeroso porque eu estou realizando um sonho”. O segredo apontado por ela é o planejamento. Quando decidiu ir para Dublin, ela procurou uma agência dois anos antes, de acordo com suas condições. Segundo ela, o planejamento foi essencial.
Ela também considera-se privilegiada por fazer mestrado fora do Brasil. A jovem se considera menos privilegiada do que pessoas brancas, mas mais do que a maioria das pessoas negras. “Eu vim de uma família financeira e psicologicamente estruturada. Isso me deu condições para realizar qualquer coisa, por mais difícil que seja.” Ela afirma que nunca precisou destinar o dinheiro para ajudar nas contas de casa e frisa esse privilégio. “É muito triste, porque percebo o quanto ainda faltam muitas coisas para as pessoas negras alcançarem oportunidades como essa. Eu sei o quanto é desigual”.
Confira o material compelto produzido pelo Alma Preta.