Dos gibis no lixo ao livro: a história de Elza Baptista Nascimento

“Quando eu li aquele livro, eu vi a minha vida”. Essa foi a sensação de Elza Baptista Nascimento, poeta baiana, ao ler Quarto de Despejo pela primeira vez. Ela ganhou a obra, escrita por Carolina Maria de Jesus, de uma vizinha da sua patroa quando trabalhava como funcionária doméstica, profissão que iniciou aos 9 anos. Como Carolina, Elza nutria o amor pela leitura com livros encontrados no lixo.

Nascida em Salvador, no Lobato, a escritora mudou-se ainda criança para o bairro do Uruguai, região que era considerada “manguezal” e onde havia constantes alagamentos. Catar marisco e buscar água de ganho eram as atividades que sustentavam a sua família, das quais ela também participava. Com as obras de aterro do bairro, o lixo se avolumou. E, justamente no inóspito, que ela encontrou riquezas escritas.

Entre gibis e dicionários

“Naquele tempo caíam muitos gibis [no lixo]. Eu pegava os livros para aprender a ler, não pegava pra vender. Nos gibis, a gente ia juntando letras”, explica a poeta que, aos 16 anos, começou a trabalhar numa casa de onde só saiu aos 55. Nos anos 70 pediu um dicionário de presente à sua patroa, o qual tem até hoje. Apesar de tentar estudar nessa época, não conseguia por conta da rotina de trabalho, aumentada com o nascimento dos filhos.

“A partir do momento que eu não podia ir muito pra escola, eu tinha que ter alguma coisa para eu ir lendo e me informando, sozinha”, elucida seu autodidatismo, reforçando a necessidade de incrementar no auxílio do estudo das crianças. Ao descobrir a obra de Carolina, viu-se representada na trajetória que lia, e sabe narrar episódios da vida de sua autora predileta com detalhes de datas e fatos.

“Ela morava em casa de taipa, eu também morava. Ela morava em periferia, eu também morava. Eu me comparo muito com ela na maneira como ela criou os filhos, viveu e conduziu a vida dela”, comenta com admiração, e certa nostalgia por não tê-la conhecido pessoalmente. “Minha filha revestiu [Quarto de Despejo] todo com durex, forrou a capinha toda pra ficar intacto, porque ali é o livro do coração”, descreve.

Realizações e sonhos
Semeando Letras, primeiro livro de Elza Baptista Nascimento
Semeando Letras, (2023)

Findando o trabalho de doméstica, a escritora foi em busca da realização do sonho de ingressar na escola, realizado em 2015. Elza também começou a frequentar grupos que potencializaram o seu desenvolvimento artístico e pessoal, como o Grupo de Idosos Centro Dia (Organizações Sociais Irmã Dulce), e o Mulheres Águas Fortes do Espaço Cultural Alagados.

A formação escolar foi interrompida pela pandemia. “Tenho que terminar pelo menos o segundo grau. Depois de tanta luta, não é possível [não conseguir isso]”, fala com determinação e orgulho. Mas foi nesse momento que a poesia desabrochou. Reclusa, começou a escrever poemas que refletiam a situação, inspirados em sua própria casa. Hoje tem quase 300 escritos e lançou ‘Semeando Letras’ em 2023, livro independente.

Além de participar da Antologia ‘Estrelas do Mar’ (Narrativas Subterrâneas, 2023), Elza Baptista Nascimento tem o sonho de lançar sua autobiografia ‘A Minha História de Vida’, onde irá narrar sobre si e também sobre o bairro onde foi criada. “Uma hora, um dia vai sair. É como eu sempre digo aos meus filhos: se eu não estiver aqui para ver a edição do meu livro, o que está escrito ninguém apaga. Futuramente, muitas pessoas vão saber a minha história, e eu vou gostar muito de saber que alguém sabe um pouco de mim”, profetiza. 

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Lucas de Matos

Olá! Eu quero te dar as boas-vindas à minha coluna. Sou um comunicador baiano que ama falar sobre gente, e por aqui você vai encontrar muito assunto sobre cultura, comunicação, dicas de leitura, e mais. Sou autor de 'Preto Ozado', livro que já vendeu mais de 1.600 exemplares e se tornou um minidocumentário. Viajo pelo Brasil em atividades literárias, participando de festas como FLICA, FLIP e FLIPELÔ. Falo sobre cultura para meus 22 mil seguidores no Instagram! Vamos conversar? 💬

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