Texto: Guilherme Soares Dias* | Edição: Nataly Simões | Imagem: Divulgação
A primeira loja exclusiva de bonecas pretas do país, a “Era uma vez o mundo”, tem contado com as redes digitais para dar continuidade as vendas. A marca tem loja no metrô Siqueira Campos, em Copacabana, no Rio de Janeiro, além de outros oito pontos de venda na capital fluminense. Com a pandemia do Covid-19, o novo coronavírus, e o fechamento do comércio, a empresária Jaciana Melquiades, 36 anos, precisou de uma rede de apoio para manter as atividades.
Uma campanha para a compra das bonecas nas redes sociais tem mantido as atividades e Jaciana tem migrado conteúdos que disponibilizava em oficinas para as redes digitais a fim de prosseguir com o fluxo da marca. “Fazia oficinas de boneca que também garantiam nossa sobrevivência. Todas as fontes de receita zeraram e continuamos pagando as pessoas, mesmo não abrindo, mesmo não vendendo”, conta.
O ateliê da “Era uma vez o mundo” conta com quatro pessoas e existem outras sete que trabalham de casa. “Fiz um tuíte que viralizou e muita gente passou a comprar online. A empresa começou a rodar de novo. Essas compras tiraram a gente do zero, mas agora precisamos continuar vendendo para conseguir girar essa grana”, explica Jaciana.
A meta é vender cerca de 250 bonecas que eram comercializadas em meses normais no pré-pandemia. “O mercado de brinquedos não entra em crise. É uma forma de pais e mães dizerem que amam. Está sempre aquecido. E queremos estar nesse movimento”, afirma a empreendedora.
No Rio, já há plano de abertura gradual do comércio, mas Jaciana diz que ainda não se sente segurança para retomar as lojas nesse momento e prefere focar o negócio nos meios digitais. “Temos produzido conteúdo para lidar com criança em casa, pensado em produtos que contribuam para estar em casa mais saudável”, conta.
No mercado de brinquedos, apenas 7% das bonecas produzidas no Brasil são pretas, o que não reflete a realidade de 54% da população negra. “Criança que não tem acesso à diversidade, normatiza a existência do branco. O efeito disso são crianças brancas que crescem racistas, já que os brinquedos fazem parte da construção da humanização do corpo preto. Isso significa que não faço boneca para menina negra, eu faço brinquedo para criança”, acredita.
Para as crianças negras, as bonecas servem para terem mais referências positivas. “Quando isso não ocorre, tem um auto ódio de forma muito intensa, já que crescem não gostando dos próprios traços, querendo corrigir cabelo, nariz. A gente acha que é um erro, porque o espelho que dão pra gente é branco”, complementa a empreendedora.
História
Jaciana começou a fazer bonecos para o filho. Nas oficinas que fazia junto com o coletivo Black Power, os brinquedos chamaram atenção dos professores que passaram a fazer encomendas a partir de 2013. Desde 2017, ela tem a “Era uma vez o mundo” como seu único trabalho. Residente na Gamboa, região central do Rio, a empreendedora conta com a ajuda de parceiras que vivem no Morro da Providência, com baixa escolaridade e que viviam em situação de vulnerabilidade social.
As oficinas para capacitar as parceiras têm formação cidadã, que promove autonomia em relação ao trabalho. Cada uma delas faz um pedaço da boneca e prestam serviços para outras empresas. Jaciana abriu uma loja no centro do Rio no começo de 2019 e em novembro migrou para um quiosque no metrô Siqueira Campos, em Copacabana. As bonecas da “Era uma vez o mundo” também estão na loja Pop Afro, do Madureira Shopping, e em mais sete pontos do Rio de Janeiro. As bonecas podem ser encontradas ainda para venda no site da marca.
*Originalmente publicada no Alma Preta
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