Juliana Marins: morte de publicitária comove e revolta viajantes negros brasileiros

A morte da publicitária e viajante Juliana Marins, 26, na Indonésia, confirmada ontem (24/06), após dias de espera de um resgate depois dela cair da borda da cratera de um vulcão durante uma trilha no Monte Rinjani, revoltou e comoveu viajantes negros brasileiros.

Para a cidadã do mundo Rebecca Aletheia, idealizadora da Bitonga Travel, “uma jovem viajante, negra, foi assassinada por omissões de socorro”. Ela lembra que é impossível para as viajantes negras não sentir medo. “Medo de continuar viajando, de seguir sonhando, de enfrentar desafios. Porque, no fim da fila, nós, mulheres pretas, somos sempre as últimas a receber socorro”, ressalta, lembrando que “o difícil é proteger mulheres negras, cuidar, se comprometer com uma vida. O difícil é reconhecer a culpa como sociedade e institucional”, reforça.

No texto publicado no instagram, Rebecca presta condolências à família: “recebam meu abraço, meu choro, minha raiva e minha tristeza. Mas, acima de tudo, recebam minha lembrança de que recuar não é uma opção. Se pudermos, lá do fundo, sigamos. Vivamos como e por Juliana Marins”, reforça.

A palestrante em letramento racial, doutora, Carla Akotirene, lembra que recebeu muitas mensagens dizendo que Juliana Marins não morreu devido ao racismo. Ela gravou video no Instagram lembrando que da falta de assistência a populações sistematicamente excluídas. “Precisamos lembrar geopoder, biopolítica, direito de viver. As condições institucionais, políticas e diplomáticas falharam”, lembra. 

Carla também presta condolências à família: “Somos todas irmãs Marina Marins e fazemos parte dessa família onde as violências patriarcais racistas e etaristas insistem em desestruturar nossos sonhos e liberdades. A lei do pai, Estado, pesa a mão em descaso, negligência e abandono. Em qualquer lugar do mundo!!”, ressalta.

Pacto da branquitude

A psicóloga e palestrante Laura Almeida lembra em seu post na rede social que foram “dias difíceis para proteger a alegria e organizar a raiva”. “Escrevo daqui com a angústia de sentir que não há espaço pra gente existir sendo uma cidadã do mundo, sendo uma mulher preta. Quanto vale a nossa vida? Esse episódio, juntamente a tantos outros me tocam nesse lugar de desimportânci : A certeza da desproteção em qualquer lugar do mundo. Parece que a ousadia de sair dos lugares destinados a nós é um risco de vida, em um mundo que, na primeira oportunidade, nos deixa para trás”, ressalta.

Laura ressalta que as imagens do resgate negado dizem muito sobre o que o mundo pensa sobre os corpos de mulheres negras. “A memória de abandono, algo tão conhecido pelo nosso repertório funciona como alarme avisando que ultrapassar romper com as bordas que o racismo impôs aos nossos corpos têm um preço altíssimo”, relata.

O texto rebate ainda comentários que perguntavam “o que ela estava fazendo lá” ou as pessoas que acreditam que ela procurou a tragédia criminosa que vivenciou. “(Isso) guarda em si o que o pacto narcísico da branquitude constituiu na identidade do brasileiro: a naturalização da barbárie e a negação de qualquer humanidade para nós, mulheres negras, em nosso direito de sermos livres”. E termina fazendo um pedido: “Que possamos ter o direito de sonhar, voar para onde quisermos, proteger nosso sorriso, nosso brilho no olhar e estar em segurança”.

Direito de ocupar o mundo

A atriz Taís Araujo escreveu que “a morte de Juliana não pode virar só mais um número. Sua memória é uma lembrança vivva de que mulheres como ela têm o direito de ocupar o mundo. E que o mundo precisa, com urgência, cuidar delas. Ser livre nunca é o erro. O erro é duvidar da nossa liberdade.

Diante da repercussão, o viajante Robson Jesus, que entrou no Guiness após passar por todos os países do mundo, fez um questionamento que gera interpretações controversas: “vocês conseguem expressar solidariedade sem transformar a tragédia de alguém em algo que seja sobre vocês? tentem”.

Desde fevereiro, Juliana fazia um mochilão pela Ásia, tendo passado por Filipinas, Vietnã e Tailândia antes de chegar à Indonésia. A jovialidade e sorriso eram marca de Juliana que partiu em busca de conhecer novos lugares e vivenciar um sonho. “Seguimos muito gratos por todas as orações, mensagens de carinho e apoio que temos recebido”, diz comunicado da família no @resgatejulianamarins

Já o viajante Moyses Junior lembra que provavelmente Juliana vivia os dias mais intensos e felizes da sua (curta) vida. Ele reforça na rede social que “quem já percorreu Ha Giang, fez o looping e chegou até a fronteira com a China, vive uma sensação de liberdade que não cabe em palavras”. E lembra que uma vez que a pessoa é mochileira, será sempre mochileira.

“E quando um mochileiro parte, o que morre é só o corpo — sua essência continua viajando, livre, pelas trilhas do mundo”.

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Redação

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