Maria Firmina dos Reis faz 200 anos e ganha caminhada e biografia

Por Anita Machado e Marcelo Cardoso

“A mente, essa ninguém pode escravizar”. (Maria Firmina dos Reis). Esta frase impactante escrita pela primeira romancista brasileira e fundadora da literatura afro-brasileira representa a potência desta mulher que viveu no século XIX, na província do Maranhão, e dedicou sua vida à educação e à literatura.

Em 1847, Maria Firmina dos Reis, mulher negra, tornou-se professora de primeiras letras do sexo feminino, por meio de concurso público, tendo lecionado na vila de São José dos Guimarães (atual município de Guimarães/MA). Dedicou-se à escrita tornando-se cronista, contista, poetisa, musicista e romancista.

Na ocasião de sua posse no Palácio do Governo, em São Luís do Maranhão, recusou-se a ir de Palanquim[1], meio de transporte utilizado pela alta sociedade da época, onde homens negros escravizados carregavam nos ombros uma espécie de liteira – manifestando uma mentalidade disruptiva para a sociedade de meados do século XIX, posição que, mais adiante, estará presente de maneira muito viva nas obras e posicionamentos da autora: Negro não é animal para se andar montado nele”.

Mais do que uma frase impactante, naquele momento Maria Firmina tomava uma atitude antirracista, de discordância em relação às estruturas do sistema escravocrata, uma postura corajosa e à frente de seu tempo.

Compreendendo sua potência, Maria Firmina manifesta-se por meio de seus escritos e de seu ofício como educadora. Em 1860, lança o romance “Úrsula”, revolucionando a literatura brasileira, apresentando algo nunca visto até então. Na oportunidade, a primeira romancista do Brasil inaugurava a narrativa de negros escravizados considerando o ponto de vista dos próprios negros, amplificando suas vozes e conferindo protagonismo aos personagens do romance.

Além de “Úrsula”, outras obras importantes da autora refletem sua sensibilidade em relação à figura da mulher, seu amor pela nação e seu respeito a importantes literatos de seu tempo. Maria Firmina também escreveu um romance indianista chamado Gupeva (1861) enaltecendo a figura dos indígenas tupinambás[2] e criticando os estereótipos em torno dos corpos nativos presentes na narrativa eurocêntrica; Cantos à Beira-mar (1871) composta por 56 poesias escritas pela autora com temáticas diversas e a valorização do mar e do litoral; A escrava (1887), conto que é símbolo dos movimentos abolicionistas do Brasil; Hino da libertação dos escravos (1888), música de enaltecimento do ponto alto da abolição; e escreveu alguns autos de bumba-meu-boi[3], demonstrando seu amor à cultura maranhense.

Em 1880 Maria Firmina dos Reis fundou a primeira escola mista na província dedicada aos pobres no povoado de Maçaricó, que pertencia a vila de Guimarães/MA. Todos os dias, a professora direcionava-se para o povoado em carros de boi, meio de transporte comum utilizado pela população do interior do Estado, e enfrentava uma viagem de três horas. Maria Firmina acreditava no poder transformador da educação!

Apesar de ter presença constante nos periódicos maranhenses, após a morte de Maria Firmina, em 1917, essas obras foram silenciadas e permaneceram no esquecimento até 100 anos depois de suas publicações. A escritora faleceu em condição de pobreza e cega, na vila de Guimarães/MA.

Esse silenciamento, além de ser consequência do racismo estrutural e fruto do movimento eugenista no Brasil, nutriu-se da busca de embranquecer a literatura nacional, numa tentativa de transformar a cidade de São Luís numa espécie de Atenas Maranhense e, para isso, era preciso negar a presença de negros como autores das suas próprias obras, como protagonistas de suas narrativas.

Em 2022, celebramos o bicentenário de Maria Firmina e nunca foi tão necessário amplificar essa voz que representa para nós um grande exemplo de luta, de representatividade e de postura antirracista, num país que se utiliza do racismo para manter suas estruturas. A primeira romancista do Brasil, a todo o momento, fez de suas obras sua escrevivência[4], dando protagonismo à narrativa dos corpos negros e se posicionando contra o sistema escravista, ainda durante a escravização, visto que o romance “Úrsula”, por exemplo, foi publicado em 1860.

Em homenagem a vida e obra de Maria Firmina dos Reis, o Instituto Da Cor ao Caso[5], em seu vetor de Afroturismo, lançou o Caminho Ancestral Maria Firmina dos Reis, roteiro afrorreferenciado realizado no Centro Histórico de São Luís/MA, com pontos de parada em locais com intensa conexão com a vida e obra da autora.

A programação ocorre todos os sábados do mês de março, coordenada pelo anfitrião Marcelo Cardoso, com dinâmicas interativas, quiz, intervenções artísticas feitas pela atriz Júlia Martins, interpretando a romancista, informações exclusivas que estarão disponíveis na próxima biografia de Maria Firmina, que será lançada no dia 11 de março de 2022 pela Academia Maranhense de Letras, de autoria do pesquisador e juiz de direito Agenor Gomes.

Fiquem ligados em nossas redes e acompanhe conosco toda esta programação! Venha viver esta experiência ancestral com a gente!

[1] Tipo de transporte utilizado por senhores e senhoras da sociedade colonial, sobretudo em espaços urbanos. Consiste numa espécie de liteira fechada, leito ou assento coberto preso a um varal que é levado no ombro por dois, quatro ou seis homens. Na época, cativos exerciam esse tipo de serviço.

[2] Uma das maiores etnias indígenas existentes no Brasil, durante o século XVI viviam na costa litorânea brasileira, sendo os primeiros a ter contato com os navios de exploradores europeus que chegavam no Brasil.

[3] Expressão cultural muito popular no Maranhão sendo composto por canções, coreografias, apresentações lúdicas e vestuário único, carregado de simbologias. O ponto auto da festa ocorre no período junino, onde há apresentações em praças e arraiais, além de ritos como o batismo e a morte do boi. Tal expressão popular foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/bumba-meu-boi-do-maranhao-agora-e-patrimonio-cultural-imaterial-da-humanidade#:~:text=A%20excepcionalidade%20da%20manifesta%C3%A7%C3%A3o%20que,Patrim%C3%B4nio%20Cultural%20Imaterial%20da%20Humanidade.

[4] Termo cunhado pela intelectual brasileira Conceição Evaristo utilizado em sua tese de mestrado em 1994. É a conexão feita entre o jogo de palavras: escrever, viver, escrever se vendo e escrever vendo-se. Disponível em:  https://www.pucrs.br/revista/esse-lugar-tambem-e-nosso/

[5] Plataforma de letramento racial, com diversos vetores de atuação, buscando criar impactos positivos em fatores sociais, econômicos e sustentáveis. Disponível em: https://dacoraocaso.com.br/

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Redação

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