O que se passa na cabeça de um diretor de primeira viagem? O ator e agora diretor Lázaro Ramos compartilha essa vivência em ‘Medida Provisória: Diário do Diretor’ (Cobogó, 2022), livro que apresenta os bastidores e traz aspectos para aprofundar a leitura do filme, marcado como a segunda maior estreia nacional do ano, até então. Como o próprio nome sugere, são registros do cotidiano de Ramos, mundialmente conhecido por figurar em frente às telas, em sua incursão estreante por detrás delas.
E entre os relatos figuram noites insones, sentimentos de ansiedade, solidão e medo que o acompanharam. Como diz o jargão virtual “quem vê close, não vê corre”, os bastidores de Medida Provisória foram desafiadores. Desde a ideia da adaptação do texto da peça teatral ‘Namíbia, Não’ (de Aldri Anunciação) em roteiro cinematográfico, até a estreia nos cinemas brasileiros, passou-se uma década. Antes da finalização, o roteiro levou pitacos de profissionais de múltiplas áreas, como a socióloga Aline Nascimento, que elaborou um dossiê com mais de cem páginas repletas de referências, para que a obra não resvalasse em estereótipos já desgastados em relação à população negra.
As anotações que compõem o livro eram feitas em momentos de isolamento durante as filmagens, os quais foram necessários para Lázaro refletir sobre o longa e desanuviar das tensões, vindas de vários lados. O diretor coloca que as atribuições enquanto ator, escritor, palestrante e cidadão também o atravessavam. “Meu desejo de estar em cena era muito grande, as demandas sociais fervilhavam e minha voz, por ter se tornado relevante, começou a ser evocada”, explica.
Mas eram raros os momentos livres para registros no diário, pois a rotina exaustiva de 12h de gravação não permitia. O diretor se autoquestionava “que filme é esse?” com frequência. Prova disso foram as mais de 29 versões que culminaram no resultado final de cerca de 1h40, tendo o primeiro corte com quase 3h de duração. Outros desafios enfrentados foram a ordem do Tribunal de Contas da União – TCU em paralisar toda a atividade audiovisual da Ancine (por conta de uma pendência do órgão) dois dias antes de começarem as gravações, e a pandemia do coronavírus que impediu a pré-estreia num grande festival de cinema no Texas em março de 2020.
Curiosidades também são reveladas por Ramos em seu diário. Uma delas é que Luís Miranda foi o primeiro ator escolhido para fazer o papel do personagem André, mas não pôde estar presente por conta da estreia de um espetáculo na época das gravações. Seu Jorge, que faria Antônio, virou André, e foi descobrindo o personagem no desenrolar das gravações, pois não tinha conseguido ler o roteiro com antecedência por questões de agenda. “Nós fomos testemunhas da sua emoção, vibração e prazer”, relata o diretor.
Outra curiosidade é que a produtora da atriz Viola Davis, JuVee Productions, foi uma das interessadas na coprodução do longa, mas compromissos firmados anteriormente inviabilizaram essa parceria. Contudo, o que não faltou para Ramos foram parceiros na construção de um filme que, em suas palavras, mostra “outros aspectos do nosso cinema negro”. “Dancei muitas vezes para comemorar uma cena. Balançava o corpo, dava saltos e pulos, celebrava as imagens que eu estava vendo no monitor”, escreve.
Em tempos onde o making off não se apresenta mais como bônus de um DVD, Lázaro acerta em partilhar essa construção em livro, mostrando vulnerabilidades, acertos, erros e vitórias da sua entrega em assumir a direção de um dos longas que, definitivamente, figuram no panteão do cinema brasileiro. Ao final da leitura, há um QR code com mais de 300 fotos para mergulhar no universo distópico de Medida Provisória que, na visão do autor, foi uma viagem “imperfeita, e por isso imperdível”.
Medida Provisória: Diário do Diretor
Cobogó, 2022
104 p.
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O filme também está disponível na Globo Play.
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