Mtwapa – uma crônica sobre o Quênia

Por Kívia Costa*

Foi uma tarde de comercial de margarina, só que muito diferente da propaganda que me fizeram. Você vai pra África sozinha? Quênia? Mombaça? Mtwapa?! Don’t go to Mtwapa! Pobreza, prostituição, muito HIV. Turistas não vão para Mtwapa. Mas eu sou teimosa.

Hospedei-me numa casa na árvore. Não tinha porta, chave ou mobília. Havia um colchão de solteiro no chão e um cortinado branco. Mais nada. De um lado, o jardim de areia. Do outro, o mar. Ondas azuis recheadas de algas frescas lambiam os rochedos e o mangue verde. Saí para fotografar.

O ar morno de fim de tarde era cortado pelos gritos estridentes de crianças. Pulavam dos barquinhos de madeira, rolavam na areia, nadavam, peladinhas. Correram pra mim. Mãozinhas curiosas aqui e ali, cada uma pendurada em uma parte do meu corpo. Dei a câmera à mais velha e seguimos.

Um grupo de rapazes fortes fazia acrobacias na areia. Estavam em roda e usavam calças brancas. Mortais ousados, meias-luas perfeitas. Mas não tinha música, muito menos berimbau. Será possível?

– Oi, vocês jogam capoeira?
– O quê?
– Capoeira.
– O que é isso?
– É tipo uma dança, luta do meu país. Sou do Brasil.
– Onde fica? Na Europa?

Muitos quenianos que encontrei não sabiam o que é Brasil. Viam minha pele branca e deduziam que sou europeia. – Não, fica … Longe, muito longe. Mas capoeira é muito parecida com isso. Aliás, foi criada por descendentes de africanos.

– Tem muitos negros no seu país?
– Com certeza! Uma das maiores populações negras do mundo.
– Sério? E o que os africanos foram fazer no seu país?

Gelei. Vergonha. Tristeza.

Um israelense que passava escutou a conversa. Exímio capoeirista, perguntou se eu jogava. Arrisquei tirar a ferrugem do corpo só para formar a roda. Ensinamos o Paranauê, as palmas, o ritmo. As crianças fotografavam pedaços de movimentos, do jeito delas. Deu um jogo até bonito. Saltos lá nas alturas, coisa de trapezista. Mas … a ginga, sabe?

Então lembrei que ainda tinha uma fita branca do Senhor do Bonfim. Deixei-a em Mtwapa e o pedido de que, se algum dia, em 20 anos que seja, você cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil, que visite, por favor, a Bahia e sua capital, Salvador.

*Escritora, jornalista, mochileira, autora de Diarios Marroquinos. No Instagram @kiviagem

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Redação

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