Cantoras se revezam no papel de Elza Soares; espetáculo emociona e lota sessões
Guilherme Soares Dias
“Levanta sacode a poeira e dá a volta por cima”. O musical Elza, que homenageia a cantora Elza Soares reúne sete intérpretes para contar a história de uma mulher que venceu uma infância pobre, conquistou o estrelato com sua voz rouca singular, fez shows fora do país, teve um relacionamento conturbado com o jogador Garrincha, perdeu filho, chegou a cogitar desistir da profissão, e hoje é o ícone que continua produzindo e com a promessa de “cantar até o fim”.
O desafio de contar essa história é grande. Com pouca cenografia, o espetáculo é calcado na voz das sete atrizes-cantoras. Larissa Luz interpreta Elza com sua voz característica e consegue fazer com que o público fique confuso. Se você fechar os olhos, terá certeza que é Elza cantando. “Meu nome é agora”, entoa ela, bradando o lema da cantora, antes de chamar uma música para Ogum. “Não estamos sós” ganha uma batida mais eletrônica que lembra o trabalho solo de Larissa. A música foi composta por ela para a peça.
O musical vai contando sobre o casamento aos 12 anos, os cafés servidos para o pai. A apresentação no programa de rádio de Ari Barroso, que ao ver a menina magra e esquálida pergunta: “de que planeta você veio?”. E ouve dela uma resposta na lata: “do planeta fome”. A personalidade forte sempre foi a marca da cantora.
Elza ouviu aos cinco anos que iria apanhar muito na vida. E isso se perdurou nos relacionamentos amorosos que teve. As músicas e falas dão espaço para o silêncio para lembrar da violência contra as mulheres. “Quantas ficarão pelo caminho?”, questiona uma das atrizes. Com baldes na cabeça, elas cantam a música “Maria da Vila Matilde” que traz o verso: “você vai se arrepender de levantar a mão para mim”. As músicas ganham novos arranjos e uma pegada mais eletrônica. A banda é composta só por mulheres. O intervalo com solo de saxofone é um pouco longo, mas dá espaço para uma segunda parte da história.
Quando Elza ouve Louis Armstrong dispara: “esse caboclo tá me imitando”, referindo-se à voz rouca dele. Ela lembra que na década de 1970, pós-transferência da capital para Brasília o Rio estava numa crise brava e a intérprete corrige trazendo o verbo para o presente: “está numa crise brava”, lembrando da fase atual difícil vivida pela cidade. A cantora foi casada com Mané Garrincha por 20 anos. Quando Larissa Luz canta “Malandro”, leva a plateia as lágrimas.
História do presente. O musical traz o tom político que marca a carreira da cantora e que não dá para fugir em momentos atuais. “A voz é a arma. Não é preciso portar arma. É preciso portar voz. Falar é existir, é resistir”, afirmam as atrizes, num recado ao governo Bolsonaro, que assinou por decreto a volta da venda de armas. Numa das músicas mais emblemáticas da carreira de Elza: “a carne mais barata do mercado” o verbo vai para o passado e as cantoras dizem que “era a carne negra”.
No fim da canção pedem: “parem de nos matar”, ressaltando que negros morrem todos os dias apenas por serem negros. O espetáculo termina com a música “mulher do fim do mundo”, em que Elza pede cantando: “me deixem cantar até o fim, eu vou cantar até o fim”. No fim, elas são aplaudidas de pé por cerca de cinco minutos.
Depois de ficar um ano em cartaz, com casa cheia e temporadas longas no Rio de Janeiro e São Paulo, o espetáculo rodou algumas cidades do país e voltou a capital paulista para novas apresentações. A peça é dirigida por Duda Maia, com texto de Vinícius Calderoni. Além de Larissa Luz, a peça é encenada por Késia Anastácio, Khystal, Laís Lacôrte, Janamô, Júlia Tizumba e Verônica Bonfim. “Falar de dores é cansativo. A gente entra em lugares que não tem consciência. Tem algo místico e a espiritualidade ancestral ajuda nisso. Esse musical é uma cura”, resume Késia Anastácio.
As atrizes tiveram dois meses e meio de preparo e foram evoluindo ao longo do processo. Larissa Luz conta que foi se assumindo atriz ao longo das apresentações. “O musical me colocou em outro lugar. Fiquei a fim de estudar cinema, outras linguagens”, afirma. Perfeccionista, a cantora-atriz conta que adentrou no universo de Elza e estudou muito para interpretá-la. “A lição que tiro é de superação. Sempre que acho que não vou conseguir lembro da história dela”, finaliza.
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O musical reestreia em São Paulo nessa sexta (7 de novembro) no Teatro Porto Seguro e fica em cartaz sexta e sábado, às 20h e domingo, às 19h, até 15 dezembro. Mais informações aqui e no Instagram e Facebook do musical.