Sabe aquela ideia de um único curador (geralmente homem, geralmente branco) para uma Bienal de Arte? Ela vem se desfazendo com o passar dos tempos. Prova disso é a 35ª Bienal de São Paulo, cujo tema ‘Coreografias do Impossível’ faz jus às obras expostas, trazendo mais de mil expressões de 121 artistas do Brasil e do mundo, dialogando com temas como decolonialidade e ecocídio.
Com curadoria de Hélio Menezes, Grada Kilomba, Diane Lima e Manuel Borja-Ville (um homem negro, duas mulheres negras e um homem branco), a segunda maior Bienal do mundo faz um ode à diversidade cultural, que se estende não apenas no coletivo curatorial e obras, mas também nas pessoas que fazem monitoria e visitas guiadas no Pavilhão Ciccillio Matarazzo (Parque Ibirapuera), modificado para ter acessibilidade.
Obras impactantes
E quem visita também não deixa de sair sem se modificar. Há muitas obras que impactam logo de cara, como a intervenção gigantesca de Kidlat Tahimik no térreo. ‘Nos matando suavemente… com seus SPAMS… (músicas, preces, alfabetos, mitos, super-heróis)’ (2023) traz vários elementos esculpidos em madeira, para denunciar a tentativa do imperialismo cultural em aniquilar os saberes dos povos originários.
A arte indígena também está evidenciada, e o Movimento dos Artistas Huni Kuin figura como uma das representações do segmento com suas telas de pintura acrílica, onde figuras humanas dialogam com místicas, e uma explosão de cores demarca uma experiência visual quase que psicodélica. Não à toa, as imagens foram estimuladas pelo efeito da Ayahuasca, bebida sagrada, para realçar o objetivo artístico de experiência espiritual e de cura.
E por falar em experiência, alguns podem não agradar-se com ‘Outres’ (2023), de Daniel Lie. E aqui não trato da fruição, mas sim do olfato. A obra, uma instalação entrelaçada em colunas, traz elementos “vivos” em sua amálgama, como terra, folhas, água e fungos, o que proporciona um odor enfático. É um ambiente que mistura morte e vida e nos leva a uma profunda reflexão sobre os elementos não humanos.
A representação da Bahia
Como um baiano raíz, apressei-me em procurar as representações de artistas do estado. E puder conferir as esculturas abstratas e geométricas do ‘Templo de Oxalá’ (1977) de Rubem Valentim (1922-1991), além das provocações sobre a arquitetura contemporânea em zonas urbanas populares, de Rommulo Vieira Conceição, em ‘O espaço físico pode ser zona de disputa, convenções e certezas falíveis’ (2023)’.
Mas o que mais me chamou atenção foram as fotografias do ZUMVI Arquivo Fotográfico, instituição idealizada nos anos 90 por Lázaro Roberto, Aldemar Marques e Raimundo Monteir, jovens periféricos de Salvador. Entre os registros, há o ato de 1988 que ocorreu na Praça Municipal em Salvador, em comemoração-denúncia ao centenário da assinatura da abolição da escravatura, onde foi erguida uma pintura de Zumbi por cima da imagem da Princesa Isabel.
Visitar a Bienal é revisitar a história, entender o presente e coreografar o futuro, diante da impossibilidade da existência humana sem conexão com a Natureza. A programação segue até 10 de dezembro de forma gratuita, com espaços para atividades paralelas como sessões de cinema, encontros com artistas, performances e oficinas. Para acompanhar a programação, basta acessar a agenda oficial da Bienal.
O quê: 35ª Bienal de São Paulo
Quando: até 10 de dezembro de 2023
Horário: ter, qua, sex e dom, 10h – 19h (última entrada às 18h30)/ quinta e sábado, 10h – 21h (última entrada às 20h30)
Onde: Pavilhão Ciccillio Matarazzo, Parque Ibirapuera
Gratuito
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