Summer of Soul: vencedor do Oscar sobre o “Woodstock preto” que quase cai no esquecimento

Quando se trata de cultura preta, muitas das produções caem no ostracismo, não recebem grande visibilidade, ou até mesmo se perdem com o passar do tempo. Esse quase foi o caso do Festival Cultural do Harlem que aconteceu em 1969, a 160 km de onde foi sediado o Festival de Woodstock. Apesar do último ganhar uma visibilidade extraordinária e impactar a cultura mundial mesmo após décadas de sua realização, o primeiro foi arquivado em um porão, pois não conseguia ser vendido para a grande mídia.

Graças a Questlove, diretor do filme, essa é uma história que ainda vai reverberar muito. Vencedor do Oscar 2022 na categoria de melhor documentário, ‘Summer Of Soul (… ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)’ (2021) traz os registros do festival que reuniu mais de 300 mil pessoas ao longo de seis finais de semana consecutivos no Mount Morris Park. Nomes célebres da música como Stevie Wonder, B.B King, Mahalia Jackson e Nina Simone, deixaram as digitais de sua arte num evento que amalgamou música, moda, religiosidade, política e empoderamento. 

As 40h de filmagem foram compiladas num registro de quase 2h, que também contextualiza a situação social da comunidade negra afro-americana da época. Além das vicissitudes drásticas, como os assassinatos dos líderes Malcolm X e Martin Luther King, o panorama era de desesperança, descontentamento e vulnerabilidade no bairro negro de Nova York. Foi por meio da música que o produtor Tony Lawrence encontrou um escape para que a comunidade preta pudesse se reconhecer, autovalorizar, e celebrar sua existência para além das resistências cotidianas.

Um dos momentos mais perspicazes da obra é a comparação de posicionamentos sociais em relação a outro evento mundialmente conhecido, e que aconteceu em paralelo ao festival: a chegada do homem à Lua. Ao mostrar recortes da imprensa com pessoas (brancas) comemorando o fato, Questlove traz recortes do festival e evidencia que, para a comunidade do Harlem, existiam outras urgências, como na fala de um homem negro participante do evento. “Para a ciência é lindo. Para mim, não quer dizer nada. O dinheiro que desperdiçaram para chegar à Lua podia ter sido usado para alimentar os negros pobres do Harlem”. Prioridades…

Entre os pontos altos, sem dúvida, está a participação de Nina Simone. A cantora de notável influência no ativismo antirracista norte-americano, canta sobre a desigualdade socioeconômica, a exaltação do jovem preto e talentoso, e recita um poema que conclama à comunidade à preparar-se para uma revolução se necessário. “Seus corpos estão prontos? Suas mentes estão prontas? Estão prontos para destruir as coisas dos brancos? Estão prontos para matar se necessário?”; entoa os versos ao passo que o público responde: estamos prontos!

Um festival dirigido por um produtor negro, com atrações da black music de renome internacional, que atraiu milhares de pessoas em plena efervescência da luta pelos direitos civis e impactou culturalmente uma sociedade, foi, literalmente, uma revolução que preferiram não televisionar. 50 anos depois, temos a oportunidade de conferir esse material que poderia ter fenecido com o tempo. Mas a qualidade impecável mostra que, até nesse sentido, o festival também é sinônimo de resistência. O filme segue em cartaz em alguns cinemas brasileiros, e pode ser visto na plataforma de streaming Hulu. Procure saber! 


Confira o trailer legendado: 

 

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Lucas de Matos

Olá! Eu quero te dar as boas-vindas à minha coluna. Sou um comunicador baiano que ama falar sobre gente, e por aqui você vai encontrar muito assunto sobre cultura, comunicação, dicas de leitura, e mais. Sou autor de 'Preto Ozado', livro que já vendeu mais de 1.600 exemplares e se tornou um minidocumentário. Viajo pelo Brasil em atividades literárias, participando de festas como FLICA, FLIP e FLIPELÔ. Falo sobre cultura para meus 22 mil seguidores no Instagram! Vamos conversar? 💬

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