‘Para Meu Amigo Branco’ expõe várias facetas do racismo

Branquitude, meritocracia, eugenia. Quem busca se aprofundar no antirracismo, ou já pesquisou algo referente ao tema, certamente se deparou com essas expressões. Todas elas estão nas páginas pretas de ‘Para Meu Amigo Branco’ (Agir, 2022), livro do jornalista, escritor e ativista Manoel Soares, onde múltiplas facetas do racismo são expostas por meio de um diálogo objetivo.

E, pra quem pensa que ‘páginas pretas’ foi uma forma poética de referência à obra, engana-se. Ao final de cada capítulo elas surgem, literalmente, para explicar expressões ditas de forma costumeira nas discussões antirracistas, sobretudo em ambientes acadêmicos. É um dos vários momentos de ‘escurecimento’ das ideias, nos quais vêm à tona discussões permeadas pela negritude, eliminando o uso de termos racistas. 

Antes de se referir ao leitor de interesse, já enfatizado no título, Manoel inicia a conversa se dirigindo aos irmãos negros e irmãs negras, para explicar que não serão o centro da prosa. “As pessoas brancas necessitam se analisar, porque precisam evoluir”, destaca o autor que também opta por usar “a arma do afeto”, sem cercear outras manifestações de contestação, como a “arma da justiça, da indignação, da verdade” de seus irmanados e suas irmanadas.

Do “preto da escola” ao “negão do WhatsApp”

De forma direta, Manoel faz perguntas incisivas ao interlocutor, a fim de uma revisão de vida e valores. Questionamentos como “quem foi que te ensinou a ser racista?” ou “você se lembra da primeira vez que viu uma pessoa negra?” evocam vivências e visões de mundo que, por não serem questionadas, podem passar despercebidas.

E é sem perceber (ou intencionalmente) que muitas pessoas reproduzem (ou defendem) estereótipos que isolam ou objetificam pessoas negras. Um exemplo clássico é a criança negra receber apelidos no ambiente escolar, ato muitas vezes considerado como brincadeira infantil. No outro extremo há o meme do “negão”, compartilhado em grupos de WhatsApp, onde há o foco na genitália de um homem negro.

O que parece simples brincadeira, escamoteia o racismo recreativo. Dar apelidos com intuito de zombaria, ou reduzir a pessoa ao tamanho do genital, objetificando-a, são atitudes desumanizantes. O autor estimula o leitor, constantemente, a encarar a negatividade e a discriminação implícitas nesses atos, fazendo alusão a um tumor: “estamos tentando retirar um tumor do seu corpo, o câncer do racismo”. 

Vivendo na pele

Para ilustrar com maior nitidez alguns temas, Manoel relata suas próprias vivências de homem negro, em momentos confessionais. Num deles, conta um episódio de racismo que vivenciou na época escolar, onde um colega de classe o impediu de jogar no time de futebol, dizendo: “eu não quero você no meu time, porque você é preto”. O autor também conta uma situação na qual o seu filho foi discriminado, assim como a sua mãe.  

Outra tática importante é a sensibilização por meio da empatia. Manoel sugere uma reflexão ao repassar algum conteúdo em que a pessoa negra seja zombada: “Ficaria confortável em assistir minha mãe ou outra pessoa que amo muito no papel de protagonista desta piada?”. Para além das reflexões, o escritor ressalta a necessidade de, após “apontar a arma para seu racista” interior, agir para somar no enfrentamento a essa “guerra”.

Num momento em que nem todos têm disponibilidade ou vontade de explicar conceitos (afinal, como salienta o escritor Emmanuel Acho, pessoas negras têm níveis diferentes de experiência e paciência), sugerir a leitura de ‘Para Meu Amigo Branco’ é uma ótima pedida. Não abarca todos os assuntos (seria impossível), embora toque em um amplo espectro de temas. É um posicionamento que convoca à ações práticas, por meio do diálogo didático.

Para Meu Amigo Branco
Manoel Soares
Editora Agir, 2022
152 p.
R$39,90

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Lucas de Matos

Olá! Eu quero te dar as boas-vindas à minha coluna. Sou um comunicador baiano que ama falar sobre gente, e por aqui você vai encontrar muito assunto sobre cultura, comunicação, dicas de leitura, e mais. Sou autor de 'Preto Ozado', livro que já vendeu mais de 1.600 exemplares e se tornou um minidocumentário. Viajo pelo Brasil em atividades literárias, participando de festas como FLICA, FLIP e FLIPELÔ. Falo sobre cultura para meus 22 mil seguidores no Instagram! Vamos conversar? 💬

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