O bloco Ilê Aiyê promoveu a rodada de lives “Curuzu do Mundo” e colocou o turismo afro no centro das atenções, reunindo convidados para falar do tema no seu canal no YouTube. Sobre a nomenclatura, Guilherme Soares Dias, jornalista e idealizador do site Guia Negro, ressaltou que a preferência é utilizar o nome afro turismo no lugar de turismo étnico, uma vez que o turismo branco, vendido em larga escala, também pode ser classificado como turismo étnico. “Assim como a música Alienação do ilê Aiyê fala que a gente não quer ser chamado de moreno, e sim de negão, no turismo afro é a mesma coisa, a gente prefere ser chamado de afro turismo por valorizar nossa identidade negra”. A canção Alienação é uma composição de Mário Pam e Sandro Teles.
Mário Pam, que é músico, professor e regente da banda do Ilê Aiyê participou da mesa “Turismo que Fortalece a Identidade Negra”, dentro do projeto “Turismo Étnico Cultural – Curuzu”. “Essa iniciativa do Ilê é fundamental para o fortalecimento do setor. Assim como o Ilê foi responsável por uma mudança estética, por ter todo imaginário de música que ressalta a beleza negra, o fato de o Ilê puxar essa conversa hoje é dizer que a gente quer um novo tipo de turismo para construir um futuro do turismo em que possamos conhecer a nossa história e reforçar a nossa identidade”, começou Guilherme Soares Dias.
Mário Pam lembrou o papel dos blocos afro na visibilidade de bairros da periferia, que faz, por exemplo, com que turistas do mundo todo conheçam o Curuzu, uma comunidade periférica que era mais uma das tantas desassistidas antes de o Ilê nascer. “O mesmo acontece com o Olodum no Pelourinho, o Cortejo Afro em Pirajá, o Malê Debalê em Itapuã. Essas agremiações exercem um papel importante não só na educação dos jovens da comunidade, como também na visibilidade de um bairro periférico e da história de vida das pessoas negras que moram nele”, destacou ele.
Guilherme enfatizou que uma mudança no turismo está em curso. “Acredito que, assim como a revolução estética encabeçada pelo Ilê fez com que as pessoas começassem a assumir seu cabelo crespo, levando a indústria a se adequar a isso, o mesmo está acontecendo com o turismo, à medida que nós, pessoas negras, escolhemos conhecer a história preta cada vez que viajamos, como ir a Curitiba e escolher visitar a Praça da África, ou ir ao Rio e frequentar a Pedra do Sal, onde funcionava o comércio de pessoas negras, e que hoje tem um samba, um museu, o Instituto Pretos Novos, ressignificando a história e fazendo do local um ponto de resistência, celebração e encontro”.
Identidade. A primeira mesa recebeu como convidados o professor e historiador, André Luís Carvalho, e o guia de turismo Josuel Queiroz, ambos especializados em História e Cultura Afro-brasileira. “O turismo afro nasce da consciência de que a história do negro foi contada a partir de um recorte eurocêntrico, de forma que personagens e momentos importantes da resistência negra foram apagados”, introduziu André Luís.
Ele lembra, por exemplo, que líderes da conjuração baiana, também chamada de Revolta dos Búzios ou Revolta dos Alfaiates, como João de Deus Nascimento, Lucas Dantas, Luiz Gonzaga das Virgens e Manuel Faustino não estão nos currículos escolares eurocêntricos, onde as histórias do negro e do indígena são contadas a reboque da do branco europeu colonizador.
“Combater o processo de negação do negro na construção de nossa sociedade implica utilizar outros referenciais teóricos e leituras, como leituras pretas. Temos uma intelectualidade negra na academia que vem contando nossa história, inclusive com destaque para as mulheres na produção desses saberes, com destaque para história da resistência negra”, comentou André Luís.
São leituras que mostram a trajetória do negro resistindo e lutando, desde que eram capturados nas regiões da África. “O revelar dessa história negada com certeza vai fazer surgir datas, momentos, marcos e personagens históricos, que nossos descendentes irmãos e parentes, espalhados pela diáspora, precisam e têm o direito de conhecer”, realçou.
Sobre os princípios do turismo étnico, Josuel Queiroz lembrou que, nele, existe uma proximidade maior entre o turista e as comunidades tradicionais, indo além de uma visita e se tornando uma vivência, uma experimentação, que permite um vínculo com a história de determinado povo. “Essa ligação promove uma reconexão com a ancestralidade e sua simbologia. Todo turismo étnico é cultural, mas nem todo turismo cultural é étnico. No turismo étnico, não há explorado e explorador, e ele pressupõe uma partilha dos seus dividendos com a comunidade”, realçou Josuel.
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