Roteiro do Rio de Janeiro: dicas de lugares de cultura e história negra

O Rio de Janeiro é uma cidade preta, seja na música, na maneira como as pessoas andam, na culinária, no jeito de viver a vida. A cidade mais conhecida e turística do Brasil é bem mais do que a zona sul das novelas globais e do Cristo Redentor e Pão de Açúcar.  A capital fluminense possui a segunda maior população negra no país, com 3 milhões de pessoas que se declararam pretas ou pardas, ficando atrás apenas de São Paulo, que angaria 4,2 milhões. 

O Guia Negro preparou um roteiro do que é imperdível fazer no Rio quando se pensa em cultura, sobretudo de origem banto, e história negra, além do afroempreendedorismo.

CONFIRA:

1. Pequena África 

Fica no Centro do Rio e compreende os bairros da Gamboa, Saúde e a Zona Portuária – considerada o principal porto de entrada de milhares de africanos escravizados no país. É inegável a forte energia sentida na região, que foi palco de resistência e de muitas dores. Ali existiu o comércio escravagista e um cemitério “não oficial” de escravizados. Muitos artefatos que contam um pouco da vivência negra no período colonial foram descobertos em obras dos anos 2000. A Pequena África foi abrigo de comunidades africanas e descendentes, por isso, este nome foi dado por Heitor dos Prazeres, que ao lado de Pixinguinha e Donga, frequentava a casa da baiana mais expressiva para a cultura do samba e de terreiro, a Tia Ciata. Ações locais realizadas por movimentos de artistas e militantes pretos trouxeram mais engajamento com a finalidade de tornar o ambiente um reduto fortalecido pela preservação da cultura negra na cidade.  O Guia Negro faz passeios em parceria com a Sou Mais Carioca pela região.

Para conhecer:

  • Busto de Mercedes Batista no Largo da Prainha 
  • Quilombo da Pedra do Sal
  • Morro da Conceição 
  • Cais do Valongo – patrimônio histórico tombado pela UNESCO 
  • Museu da História e Cultura Brasileira (MUCAHB)
  • Instituto dos Pretos Novos (IPN)

Para comer:

  • Casa Omolokum (Rua Argemiro Bulcão, 51 – Saúde)
  • Quilombo Cultural Casa do Nando (Rua Camerino, 176, no Centro do Rio)

2. Tambores  

O Rio de Janeiro é um dos berços do samba, cultura do povo banto que ocupou a cidade durante o período colonial. Mas, além do gênero, outras manifestações de umbigada também são vistas na cidade, como o jongo, o coco e o maracatu. Há grupos expressivos que contribuem para a cultura popular e identidade carioca: 

  • Jongo da Serrinha (pioneiro em Madureira, na comunidade da Serrinha – Zona Norte)
  • Tambor de Cumba (pioneiro no Cais do Valongo – Centro)
  • Grupo Zanzar (expressivo no bairro da Lapa – Centro)
  • Afrolaje (pioneiro no bairro do Engenho de Dentro – Zona Norte)

3. Busto de Zumbi  

O busto de Zumbi fica na Avenida Presidente Vargas, no Centro, a via é uma das mais movimentadas da cidade e é o trajeto da maioria da classe trabalhadora. Para os povos tradicionais de matriz africana, o monumento é também considerado uma representação de Oduduwa, deus criador do panteão de divindades africanas. Não à toa, exatamente no busto acontece todo dia 20 de novembro um encontro para celebrar o dia da Consciência Negra, com a reunião de grupos de afoxés, como o Filhos de Gandhi (filial Rio) e grupos religiosos do Candomblé e da Umbanda. Tira uma foto com a estátua de Zumbi e marque a gente nas redes @guianegro!

4. Sambódromo 

Um pouco mais à frente, com entrada ainda para a Avenida Presidente Vargas, está a Marquês de Sapucaí, o Sambódromo, onde acontecem os famosos desfiles das escolas de samba do grupo especial, do grupo de acesso – Série A e mirim.  É muito curioso que a Presidente Vargas abrigue o busto de Zumbi – que testemunha a concentração de parte das agremiações que acontece muito próximo do monumento, na altura das estações de trem e metrô da Central do Brasil – e um dos maiores eventos do Rio de Janeiro.  

O Sambódromo é uma avenida que termina no bairro do Catumbi, dando continuidade e seguindo adiante, paramos exatamente no Cemitério do Catumbi, o segundo mais antigo do Rio de Janeiro e o primeiro campo santo brasileiro destinado a enterros de escravizados. É interessante observar como uma celebração viva, como o Carnaval, e fúnebre coexistem em uma mesma reta.  

*O local funciona especialmente para o calendário do Carnaval, onde se torna palco dos desfiles de agremiações dos grupos Especial, do Acesso – Série A e Mirim. Após a folia, o Sambódromo retorna ao seu papel de avenida comum com tráfego de carros diariamente. Esporadicamente recebe eventos e shows internacionais. 

5. Igrejas de São Jorge 

Existem duas Igrejas de São Jorge no Rio, uma no subúrbio, no bairro de Quintino, na Rua Clarimundo de Melo, 769 e outra no Centro, na Praça da República, 382 (esquina com a Rua da Alfândega).  As duas são muito importantes para as festividades de São Jorge, que acontecem no dia 23 de abril. Por ter numerosos devotos, São Jorge é um santo mais festejado até mesmo do que São Sebastião, o padroeiro da cidade. Por isso, as comemorações se tornaram uma tradição e compõem a identidade carioca – retratadas em várias músicas interpretadas por Zeca Pagodinho “Vou acender velas para São Jorge, a ele eu quero agradecer” e Jorge Ben Jor “Estou vestido e armado com as roupas de Jorge.” E, por isso, durante a data todo mundo entoa as canções (e outras). No dia 23/04, católicos e religiosos de matriz africana – devido ao sincretismo com o orixá Ogun – se encontram nas igrejas e as regiões onde as abrigam são tomadas por rodas de samba que comemoram o santo e a divindade.  

6. Madureira 

Madureira é o reduto de pretos e de grandes símbolos de resistência no bairro, que é um retrato fiel da Zona Norte. Lá há a comunidade da Serrinha, que embora sofra muito com a violência, abriga a sede do Jongo da Serrinha, um dos grupos de jongo mais conhecidos do Rio. Descendo a Serrinha, encontramos a Avenida Ministro Edgard Romero e o Mercadão de Madureira, onde há várias lojas de itens afroreligiosos, muitas ervas e temperos. No Mercadão acontece, todo dia 2 de fevereiro, a procissão para Iemanjá, que corta a cidade até chegar à Praia de Copacabana, na Zona Sul.  

Em Madureira, também há o Viaduto Negrão de Lima, que reúne a comunidade negra para dançar R&B – o Baile Charme de Madureira. Todo preto se sente pertencido ali. O espaço já foi palco para apresentações de artistas como Negra Li, Nina Black, Sampa Crew, Keith Sweat, Racionais e outros. Mais à frente, ainda na Edgard Romero, no número 114, há a quadra da Império Serrano, tradicional Escola de Samba, reconhecida pelo seu naipe de agogôs e que faz uma das melhores feijoadas do Rio. Já na Rua Clara Nunes, número 81, divisa de Madureira com outro bairro de bamba, Oswaldo Cruz, fica a quadra da Portela, uma das escolas de samba mais antigas do país, berço de uma das velhas guardas mais conhecidas do Brasil. 

Também nos limites entre os dois bairros, mais precisamente na Praça da Paulo da Portela, acontece a Feira das Yabás, que foi declarada, em 2018, Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Organizado pelo sambista Marquinhos de Oswaldo de Cruz, há mais de 10 anos, o evento acontece todo segundo domingo do mês e reúne tradicionais rodas de samba e gastronomia afro-brasileira. As yabás, neste caso, é uma homenagem às mulheres responsáveis por preparar as feijoadas e pratos servidos nas escolas de samba, às chefs e quituteiras presentes na feira. Outro lugar para conhecer é o Parque de Madureira, que também tem rodas de samba para toda família aos fins de semana, além de espaços para crianças, bicicletas para alugar e espaço para shows e eventos. O Guia Negro realiza tours pelo bairro em parceria com a Sou Mais Carioca.

 7. Outras quadras de Escolas de Samba 

Não deixaríamos de fora as escolas de samba, o Rio de Janeiro possui diversas agremiações espalhadas pela cidade, da Zona Norte à Zona Oeste, e ainda há várias em outros municípios. Então, concentramos as mais antigas, tirando a Portela e Império Serrano, que já foram citadas.

  • Estácio de Sá: reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) como a primeira escola de samba do país, foi fundada em 1928 e sua quadra fica na Cidade Nova (região central do Rio).
  • Mangueira: uma das escolas mais conhecidas do mundo, a Mangueira foi fundada também em 1928 e fica aos pés da comunidade da Mangueira (Zona Norte). Ao lado da quadra há o Museu do Samba, que fica dentro do Centro Cultural Cartola, na Rua Visconde de Niterói, 1296, e é considerado o maior espaço de referência da memória do gênero. Há tours para o local organizados pela Sou Mais Carioca.
  • Salgueiro: escola conhecida por valorizar a cultura afro e de terreiro, vista em sambas e ações realizadas dentro da agremiação. Foi fundada em 1953 e fica no bairro do Andaraí (Zona Norte). Há feijoadas e ensaios durante os meses que antecedem o carnaval.

8. Gastronomia 

Vale a pena também fazer um tour gastronômico e conhecer a culinária afro-carioca:

  • Dida (Rua Barão de Iguatemi, 379, Praça da Bandeira)
  • Kasa 123 (Rua Visconde de Abaeté, 123, Vila Isabel)
  • Yayá Comidaria Pop Brasileira (Rua Gustavo Sampaio, 361, Loja A, Leme)
  • Afro Gourmet (Ladeira Ari Barroso 66, Leme-Chapéu Mangueira | Rua Barata Ribeiro 7, Copacabana).
  • Veja mais neste post.

9. Cacique de Ramos 

Todo suburbano raiz que se preze e que goste de Carnaval já quis sair no bloco do Cacique de Ramos, que desfila aos domingos, segundas e terças de Carnaval, no Centro da cidade. O grupo surgiu na década de 60 e após se consolidar como bloco, passou a ocupar a sede na Rua Uranos, 1326, Olaria – Zona Norte. No local, há anos acontece a tradicional Roda de Samba do Cacique de Ramos, sempre aos domingos. Aos pés de uma tamarineira, nomes importantes foram projetados no ali, como Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Grupo Fundo de Quintal e outros.

10. Sambas

O que mais tem no Rio de Janeiro é roda de samba, mas as que mais promovem aquilombamento são:

  •  Roda de Samba da Pedra do Sal: acontece toda segunda-feira, na Pedra do Sal (Centro) e é reduto de  artistas e personalidades da cultura negra. 
  • Grupo Awurê: acontece em determinadas quartas-feiras do mês e de forma itinerante. Conhecido por exaltar a cultura e povos de terreiro. Atrai toda a comunidade de povos tradicionais de matriz africana, personalidades e militantes pretos.
  • Moça Prosa: composto só por mulheres pretas e realiza sambas no Largo da Prainha (Centro)
  • Terreiro de Crioulo: acontece aos finais de semana na Rua do Imperador, 1075, em Realengo (Zona Oeste).
  • Projeto Criolice: ocorre todo terceiro domingo de cada mês, na Arena Fernando Torres, no Parque de Madureira – Madureira (Zona Norte). 
  • Samba na Serrinha: o samba nasceu na Casa do Jongo, na comunidade da Serrinha, e atualmente realiza rodas itinerantes pela cidade.  

11. Praia

A orla carioca é bem bonita e as águas são bem geladas – umas mais e outras menos, mas como geralmente faz muito calor no Rio, compensa. Os melhores trechos para um viajante preto é a Praia Vermelha, que fica no Bairro da Urca e é uma das primeiras praias da Zona Sul. Diferente da maioria das praias cariocas, na Praia Vermelha o trecho é mais curto e as águas são calmas – ideal também para levar crianças. Há uma vista bem bonita com costões verdes e o Pão de Açúcar está bem ali, é uma praia mais plural.

Do outro lado do Morro da Urca está a Praia do Leme – dá para chegar lá por trilha (ou de forma menos radical, de ônibus, carro ou a pé). Essa orla já segue um padrão com trechos de areia bem largos e mar com ondas mais agitadas. A Barraca do Rasta é a parada ideal, no Leme, por ser ponto de encontro de pessoas negras. Uma das últimas praias da Zona Sul, é a Prainha do Vidigal que tem sua entrada aos pés da comunidade do Vidigal, que fica próximo ao bairro do Leblon. Ali a faixa de areia é bem curta e traz um clima mais intimista, por não ter vendedores e nem quiosques, sendo mais frequentada por moradores do Vidigal. A vista é incrível, no entanto, as águas são mais agitadas, sendo um convite maior para surfistas.

12. Baile Funk

O funk é uma das expressividades culturais pretas mais importantes da cidade (e do estado), nascido nas comunidades cariocas e de outros municípios, na década de 90, o gênero foi inspirado no soul e no funk dos EUA. Inicialmente, os bailes funks eram organizados por equipes de som, como Pipo’s, Cashbox e, a mais famosa delas, a Furacão 2000 – as enormes caixas de som, surgidas dessas equipes, são marcas registradas dos eventos até hoje. Os bailes são grandes experimentos para o gênero, a partir dos eventos, foram criados sons como o tamborzão que traz muito da inserção africana, e por último o 150 bpm – uma versão mais rápida, eletrônica, e muito trabalhada por um dos djs de funk mais conhecido da atualidade, que é o Rennan da Penha. Muitos bailes, que são uma das poucas garantias de lazer para quem mora nas comunidades, ganharam fama por divulgação em diversas letras de funks e pela procura do público, como o Baile do Buraco Quente, na Mangueira, Baile da Árvore Seca, na Árvore Seca, Baile da Chatuba, no Complexo da Penha, o famoso Baile da Gaiola, também no Complexo da Penha (evento que projetou Rennan) e outros, mas muito deles foram sufocados a partir da repressão policial – vale ressaltar que o funk sofre perseguições e desmoralizações similares aos do samba, no passado. Atualmente, após o período mais crucial da pandemia, alguns bailes seguem retornando com força, como:

  •  Baile da Disney: na Vila do João – acontece nos finais de semana e vésperas de feriados no Complexo da Maré (Zona Norte), conhecido por grande adesão dos frequentadores e por sua estrutura que conta com uma roda gigante
  • Baile do Parque União: acontece todas as sextas-feiras, no Parque União (Zona Norte)
  • Baile da Nova Holanda: acontece aos sábados, na Nova Holanda – Complexo da Maré (Zona Norte)
  • Konteiner: não é baile, mas é uma novidade dentro da comunidade da Vila Cruzeiro – Complexo da Penha, na Zona Norte. O espaço que foi criado como mais uma opção de lazer para as comunidades do Complexo da Penha e para bairros do entorno, passou a atrair frequentadores de diferentes lugares do Rio de Janeiro e se tornou um ponto turístico por oferecer uma vista incrível do alto da Vila Cruzeiro. No local as atrações principais são geralmente do funk ao pagode – atualmente o Konteiner está fechado para reforma e retornará em maio de 2022.

*Os bailes têm uma dinâmica própria e podem não ocorrer. Informe-se antes e tente ir com alguém da comunidade 

13. Hospedagem

  • Hospedagem Solidária Mulheres de Pedra: o local fica na Rua Saião Lobato, 96, Pedra de Guaratiba (Zona Oeste) e integra as ações do coletivo Mulheres da Pedra que valoriza o protagonismo da mulher negra por meio da arte, da educação, da economia solidária e da diversidade cultural. 
  • Do Samba Hostel: como já diz o próprio nome, o hostel tem sua decoração inspirada no samba e seus baluartes. O espaço também realiza rodas de samba, é claro. Ele fica na Rua Professor Alfredo Gomes, 9, Botafogo (Zona Sul).
  • Diáspora Black: a plataforma de hospedagem nasceu da necessidade de atender as demandas do viajante preto e combater o racismo no turismo. Oferecendo experiências diferenciadas, a Diáspora Black colabora significativamente para o afroturismo. 

 

LEIA MAIS:

Dez restaurantes de afroempreendedores para comer no Rio

Mini documentário retrata histórias de Luiz Gama e da Pequena África

Cais do Valongo, no Rio, é lugar de visita obrigatória, indica ativista antirracismo

Compartilhe:
Avatar photo
Joyce Nascimento

Jornalista por formação e atuação, desenvolve escritas a partir do que sente, do que vivencia e de suas pesquisas. Sua caminhada é também laboratório de informações. Sambista, ex-passista da Mangueira e do Paraíso do Tuiutí, e candomblecista, visa escurecer as coisas versando com a cultura de sua origem afro-brasileira e com povos tradicionais de matriz africana

Artigos: 18

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *