Sobre as coisas que o dinheiro compra

Ainda me ambientando com o jet lag, depois de quase 24h de viagem da Tailândia para o Brasil, recebo o pedido da minha mãe: “Vai buscar uma coquinha ali no posto para a gente almoçá.”

Eu tinha chegado em Recife no dia anterior, mas pedido de mãe a gente não nega.
Fui.

Se Recife é o lugar mais quente, a Imbiribeira é, talvez, o bairro mais quente da cidade mais quente em linha reta desse país, quiçá do mundo.

Meio dia, sol na cabeça, dificuldade de raciocinar depois de uma noite sem dormir direito, chego no posto me deparo com ela. Na minha frente suava, geladíssima, uma Coca-cola de 2 litros dentro do freezer com uma discreta plaquinha que gritava: 18 reais

Não. 
Peraí. 
Uma coquinha por 18 fuking reais? 
A dois dias atrás eu tinha almoçado um pad thai por 7 reais em Bangkok

Tá errado!
Foi o meu primeiro grande susto.
Senti duas mãos me segurando e me sacudindo dizendo:

“How how brown, 
Acorda sangue bom
Aqui é Capão Redondo, tru
Não pokemon”

Semana passada recebi mensagem de Paulinha, uma amiga de Recife que está com vontade de ir à Tailândia. Trocamos mensagens e comecei a dar dicas.

Pois então, vi no booking por 15 reais a diária do hostel que fiquei em Chiang Mai. E o hotel com quarto privativo, também em Chiang Mai, por 40 reais.

O que se faz com 40 reais no Brasil?

Tenho tentado não ser um chato a cada ida ao supermercado e viver reclamando dos preços das coisas. Mas confesso que dá muita vontade. Me seguro. Falo nada, mas xingo mentalmente tudo que posso quando vejo 250ml de azeite por 40 reais, ou o kilo de qualquer legume por mais de 10 reais.

Vou abrir uma brecha bem rápida em uma única frase para reclamar:
Tá tudo muito caro mesmo!

Mas continuando,
Tenho pensado em como isso impacta no turismo.

Como se viaja com uma passagem aérea nacional por mais de 1000 reais?

Em dezembro vi passagem do Vietnã para Japão por 450 reais.

Fico pensando como o turismo vai se adaptar nesta conta que não fecha, onde tudo aumenta, menos a renda do trabalhador.

Neste momento estou em Pipa. Praia paradisíaca no litoral do Rio Grande do Norte.

Aqui tem restaurantes caros, tem os caríssimos, mas também tem o restaurante da Shirley, que tem um self service sem balança por 15 reais o prato.

É uma exceção.
Cada vez mais percebo que é.

Em Recife ou Salvador, por exemplo, achar um almoço de 15 reais num lugar turístico é praticamente impossível. 

Ano passado decidi comprar uma mochila térmica, pois sai muito mais barato comprar bebida e comida no supermercado e levar na mochila, do que comprar algo na praia.

É só chegar, forrar a canga na areia e a comida e bebida estão ali conosco.

Esse novo velho hábito lembra momentos da minha infância. Quando eu era criança, éramos chamados de farofeiros por levar comida para a praia. Laranja, sanduíches, etc.

Família grande, muitas bocas… na praia, criançada gastando energia, ficando com fome…tinha que levar comida. Era a única opção para ir à praia naquela época.

Em Portugal, eu e a minha companheira íamos ao supermercado, comprar vinho de 3 euros (+ ou – 15 reais), queijinho, torrada, e com menos de 50 conto tinha um piquenique regado a duas garrafas de vinho, embriaguez, pôr do sol e economia.

Chegando ao Brasil estamos fazendo o mesmo, só que aqui não tem vinho de 15 reais. Na verdade a cerveja já tá quase esse preço. Mas sim, sai mais barato levar a mochila, forrar a canga no chão e curtir um programa barato.

Das opções de turismo e lazer nas cidades litorâneas, a praia é quase sempre a melhor para moradores e turistas.

Praia tu vai sozinho, com a galera, tu namora à noite, bebe de dia, joga bola. Pode chorar, refletir, ler, pode usar a roupa que quiser. E o melhor: tu pode não ter um centavo no bolso, a praia tá ali pra tu.

Porque eu to falando sobre isso?

Graças a Neymar, Luana Piovani e às redes sociais, tenho quase certeza que você já está sabendo da PEC da privatização das praias.

Se aprovada, um empresário, por exemplo, pode cercar quilômetros de terrenos impossibilitando a passagem das pessoas para a praia.

Na verdade isso já acontece em alguns lugares. Enquanto eu viajava de bicicleta pelo nordeste, vi várias áreas com condomínios e resorts impossibilitando a passagem até a praia.

Posso dar como exemplo, a praia dos Carneiros em Pernambuco. A quantidade de propriedades privadas impedindo a passagem é grande, e as praias acabam ficando meio que privativas, porque a outra opção é vir caminhando pela areia desde a praia vizinha, de Tamandaré.

Isso acontece nas praias de Maragogi, em Alagoas, e em várias outras onde tem resorts e grandes empreendimentos.

——

Podemos pensar na limitação de possibilidades das pessoas que vivem nas regiões litorâneas. Nos pescadores. Nos barraqueiros que não terão acesso aos seus locais de trabalho.

Como será a experiência de viajar de bicicleta? Como será a experiência de viajar de carro; de motorhome?

É a diminuição de possibilidades da nossa principal área de lazer. Do principal atrativo turístico da maioria das cidades litorâneas, sobretudo do Nordeste do Brasil.

A beleza de ser gratuita, e por isso democrática, corre um sério risco.  

Esta deveria ser uma preocupação de toda a cadeia produtiva do turismo, e também de todo turista, todo viajante, todo estradeiro, Bora pensar nisso e se mobilizar?

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Anderson Lopes
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