Quando eu nasci, em 1976, apenas 88 anos separavam minha estreia ao mundo da abolição oficial da escravatura no Brasil. A julgar como a maioria de nós é tratada e como somos percebidos no Brasil, é justo dizer que as coisas não mudaram muito desde os tempos do império.
Os afro-brasileiros ainda são relegados a um segundo plano. Nesse início da segunda década do século XXI, os brancos brasileiros ainda controlam a maior parte dos negócios do país.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde nossos primos afro-americanos representam apenas 15% da população, existe uma representação muito maior do que no Brasil em todas as áreas. No nosso país, somos 54% da população parda e negra.
Embora existam muitas diferenças e muitos motivos pelos quais vivemos sob nossas circunstâncias no Brasil, há uma coisa que nos conecta: nossas raízes históricas africanas. Somos todos membros da Diáspora Africana.
Desde que saí do Brasil pela primeira vez, em setembro de 2001, muitas coisas mudaram. Fernando Henrique Cardoso era o presidente naquela época e Luís Inácio Lula da Silva era apenas mais um dos candidatos para o mais alto cargo da política.
No Brasil, nada é fácil para os Afro-Brasileiros. Isso é um fato paradoxal e cruel, mas, infelizmente, o mais verdadeiro. Conseguir um passaporte, uma carteira de motorista ou até mesmo comprar uma passagem de avião pode ser uma tarefa impossível para pessoas negras no Brasil . Até há pouco tempo, fazer turismo era algo quase inimaginável para a maioria do nosso povo.
Costumo dizer que tenho um doutorado em racismo, adquirido enquanto crescia em terras tupiniquins. No Brasil, e até no resto do mundo, criei uma carcaça grossa. Nenhum racismo me surpreende, nenhum ato de ódio me choca.
Enquanto, à primeira vista, o racismo que vivo no exterior pode parecer menos perverso ou prejudicial, a verdade é que a maioria dos Afro-brasileiros crescidos no Brasil carrega sequelas ou até mesmo sinais de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Esse trauma viaja conosco para sempre, não importa pra onde formos.
Nesse estado, o nosso cérebro percebe os menores sinais de racismo como um sinal de ataque frontal, e nossas reações fisiológicas são viscerais, como se estivéssemos enfrentando o ataque mais violento possível. Lembrando que somos indivíduos diferentes, com as mais diversas sensações e reações.
Para o nosso cérebro frequentemente traumatizado, não importa se estamos enfrentando as cruzes em chamas da KKK, uma ameaça de ser linchado ou uma piada racista. Nossa amígdala interpreta qualquer uma dessas coisas como uma ameaça severa e reage para nos proteger daquilo que nos acostumamos a enxergar como perigoso.
Viajar enquanto negro é uma coluna sobre a existência como corpo negro fora do Brasil. Por meio dos meus diários de viagem e de experiências pessoais, a coluna mostrará como as coisas também podem ser difíceis para os Afro-brasileiros, apesar das diferenças, enquanto estão no exterior.
Estive em muitos países nos últimos 20 anos e compartilharei com vocês as alegrias, as surpresas e os perigos de viajar enquanto um homem negro (Travelling While Black).
Aperte o cinto e vamos decolar juntos!
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