Guilherme Soares Dias
“Quando um amigo propôs pedir carona, eu ri da cara dele. Logo eu que nem os táxis param pra mim”. Esse depoimento é do analista de big data e viajante Moysés Jr e resume bem o que pessoas negras passam no dia a dia. Tenho o tom de pele mais claro que o dele, mas também já fui rejeitado por táxis à noite. Quando fui fazer mochilão em 2016, no entanto, tinha certeza de que ia conseguir viajar de carona como tantos blogueiros de viagem fazem e descrevem em suas redes.
Ledo engano. Peguei dicas no site https://hitchwiki.org/ que ensina os melhores pontos para pegar uma carona em cada cidade (em geral postos de gasolina, fronteiras, e locais visíveis, mas com certo movimento, a fazer uma placa com o nome da cidade que quer ir).
Lá fui eu com meu mochilão, que era tudo o que tinha naquele momento, para a estrada na saída de Lisboa. Ia para Porto. No caminho encontrei duas moças loiras que iam tentar carona num ponto que era a saída do viaduto e que não passava ninguém. Expliquei que o melhor ponto era na estrada e estava indo para lá. Elas foram atrás. Fui ignorado solenemente pelos carros. Elas que estavam mais a frente tiveram mais sorte, mas escolhiam a carona. Até que um homem negro parou e elas negociaram de eu pegar carona na carona delas. Deu certo. Mas entendi que não ia ser tão fácil quanto pensava.
Tentei mais duas caronas em diferentes países, sem sucesso, e desisti. Passei a viajar de ônibus e fiz alguns trechos com o @blablacarbr, onde não tive problemas. O interessante é que os blogueiros e matérias que retratam viagens de graça, histórias fantásticas na estrada são sempre de pessoas brancas. Para as mulheres há o problema e o medo do assédio. Mas há aquelas que gostam de viajar assim.
Para nós, homens negros, há o racismo estrutural que faz com que as pessoas rejeitem quem tem o nosso fenótipo (aparência) considerando que possamos ser perigosos.
Esse debate foi postado no Instagram e o escritor Guido Melo, que é colaborador do Guia Negro, escreveu “Nos anos 90 quando eu estudava no Cefet-MG, em Belo Horizonte, eu pegava caronas todos os dias de um campus para o outro (cerca de 5km). Eu era um adolescente ( com cara de bem novinho e magro) e estava uniformizado numa das melhores escolas da cidade…. Sempre tinha pessoas brancos em volta e daí era “protegido” pela existência delas. Porém, peguei algumas vezes sozinho (mas lembro de demorar muuuuuito mais e de muitas pessoas que me davam carona sozinho serem homens – as vezes homens negros). Nunca pensei em viajar assim pois imagino ser (quase) impossível para negros como eu✊🏿. Existe um custo alto por sermos quem somos”, completa.
Já Uêdson Jorge relata que pegou uma carona uma vez, de Recife para São Paulo em 1992 com um caminhoneiro. “O cara veio super desconfiado comigo, só foi conversar quando já estávamos em Muriaé, em Minas Gerais. E a carona foi arrumada por um primo que trabalhava na empresa onde ele foi deixar o frete. Depois disso todas as vezes que fui a Recife, não tentei ir de carona e nem voltar de carona. Ainda hoje quando vou viajar para o Nordeste, tenho vontade de ir de carona, mas não tenho coragem de enfrentar essa barra de sair pedindo carona. Vou e volto de avião”.
Há uma discussão interessante sobre o tema por lá:
https://www.instagram.com/p/CFe8-uTHs4v/
E você já viajou de carona? Acha que pessoas brancas e negras têm as mesmas chances de conseguir uma?
Conte sua história e mande essa matéria pra os amigos viajantes e caroneiros.
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