Linha Preta reconta história negra de Curitiba

Nascido com a vontade de desmistificar a presença de história negra no sul do Brasil, o “Linha Preta” entrega uma outra visão sobre a cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná. O roteiro enxerga a cidade e sua história por uma ótica onde os habitantes negros da cidade e do estado amplificam sua voz, mostrando sua presença e  importância para a construção e existência do estado.

O passeio é uma aula de campo no Centro Histórico de Curitiba que apresenta 21 pontos de memória, entre eles as Ruínas de São Francisco, a Igreja do Rosário, o Memorial de Curitiba, a Praça Tiradentes e a Sociedade 13 de maio. As datas e mais informações sobre os próximos passeios podem ser consultados aqui.

O trajeto afrocentrado nasceu em 2015, dentro do Centro Cultural Humaitá, localizado em Curitiba. Ele veio como uma ideia de criação de uma programação cultural onde, no dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra), um cortejo que andaria pela cidade, com filtro nos olhos, a fim de responder a pergunta: onde estava a memória negra de Curitiba?

A cidade, como tantas outras capitais brasileiras, tem toda uma manifestação cultural, repleta de personagens importantes, que não são representados em nomes de praças, em nomes de ruas nem em nenhum outro espaço público. Essa falta de homenagem serve para escancarar o racismo que existe dentro da cidade, que em um primeiro momento pode não parecer tão pejorativo, porém se tornou totalmente institucionalizado pela prefeitura e governo do Estado.

Um exemplo de como a exclusão racial acontece nas entrelinhas dos programas públicos são ações de afirmação étnico-racial. A maior parte delas, quanto não todas, são pensadas, promovidas e divulgadas por pessoas brancas, tendo zero preocupação em mostrar a verdadeira pluralidade racial que existe em Curitiba.

Para lutar contra isso, o grupo estudou e com a grande popularidade do Linha Preta (com o cortejo) e da Festa do Rosário (outra celebração da cultura e histórias não-brancas), conseguiram aprovar um feriado oficial na cidade no dia 20; feriado esse que não existia, já que o governo se esforçava para invisibilizar a existência da população negra.

A adesão aos roteiros foi tão grande, que uma hora ficou impossível ignorar: a explosão que houve pelo interesse da cultura negra com a exposição da história que nem mesmo a população negra da cidade e do estado conheciam, chamando a atenção das ditas “autoridades culturais” da cidade. Estava acontecendo uma grande manifestação negra, e não era numa capital como Rio de Janeiro ou Salvador, mas sim em Curitiba.

Os números também não deixavam mentir: a capital paranaense é a mais negra entre os estados do sul do país, com sua representatividade preta vista em 24% da população. Quando falamos do estado, esse número sobe para 35%, segundo dados do IBGE. Esses grandes números permitiram aos representantes do Linha Preta ter mais argumentos, na hora de escrever suas cartas de indignação à administração da prefeitura. As comunicações eram num tom de “carteirada” mesmo, mostrando o absurdo que era a falta de fomento à cultura negra com números populacionais tão expressivos.

O esforço para apagar a presença negra na cidade é algo que vem já de séculos passados, visto que os negros estão na região como imigrantes desde o século 16 (vindos da Argélia), ao passo que outros etnias só começaram a chegar ao que hoje é o estado do Paraná por volta do século 19. 

 

O Mestre Candieiro, um dos idealizadores e vozes do “Linha Preta” que é poeta, ativista, professor e batuqueiro, detém esses e outros conhecimentos que reforçam o tamanho da representatividade preta em Curitiba e no estado do Paraná. Em 2016, ele foi convidado para o cargo de Assessor de Igualdade Racial na prefeitura de Curitiba, tendo como foco principal desmantelar a cultura eugenista intrínseca à cidade.

Todos por trás do Linha Preta lutam para trazer à luz um fato que não é de conhecimento da maioria: de que, “em todos os ciclos de riqueza do Paraná, está a mão negra, força negra, inteligência negra, tecnologia negra”, segundo palavras Melissa Reinehr, apoiadora do projeto. O Linha Preta luta para que essa história não seja guardada em uma gaveta e esquecida, mas sim que ela tenha todo o reconhecimento que precisa e merece.

A história do povo negro do estado do Paraná não é uma história com começo, meio e fim. A história são pedaços, fragmentos que precisam ser capturados e traduzidos em formato de arte, que é uma das maneiras da população negra transmitir conhecimento, contando a história de uma maneira afrocentrada, por meio de músicas, contos, poesia ou qualquer outra representação artística que faça sentido.

Para o futuro, Candieiro acredita que toda a história do Brasil precisa ser reconstruída, para que roteiros como o Linha Preta cresçam e se desenvolvam, e que o governo precisa ter um papel fundamental nisso. “São muitos anos de uma narrativa branca, 300 anos de história que precisa ser resgatada. Queremos levar os tours afrocentrados para outras cidades menores no estado, saindo um pouco de Curitiba”, projeta ele.

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Lucas Henrique

Turismólogo de formação e estudante de Marketing Digital nas horas vagas, busca mostrar sua voz como comunicador e, se possível, mochilar pelo Brasil e pelo mundo enquanto isso. Considera o diálogo e a conexão entre pessoas as coisas mais importantes para se buscar crescimento e evolução, sejam eles profissional ou pessoal. Fã número 1 de debates sobre as atualidades, além de adorar escrever sobre internet, redes sociais e tecnologia

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