Sem blocos afros, Prefeitura de Salvador lança virada com 70h de música

Guilherme Soares Dias

A bandas do Ilê Aiyê, do Olodum, da Didá, do Muzenza, do Malê de Balê e do Cortejo Afro, tradicionais blocos afros da Bahia, não fazem parte das 70 horas de música do Festival da Virada lançado pelo prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM) em São Paulo na última quarta-feira (6). A ausência dos blocos que são o grande diferencial da capital baiana foi questionada pelo Guia Negro. ACM Neto disse que a programação não está completamente fechada e que pode contar com a presença dos grupos que tem como base o tambor e cânticos que exaltam a beleza e o poder negro. “Em dezembro teremos o anúncio de novos movimentos. Não há restrições e a presença (dos blocos afros) está garantida”, afirmou o prefeito, que já deixou os blocos afros de fora da programação principal da virada em anos anteriores.

A Prefeitura de Salvador se orgulha de promover cinco dias de festa no réveillon, começando no dia 28 de dezembro e indo até o dia 1 de janeiro. A festa reúne cerca de 2 milhões de pessoas, sendo 500 mil turistas e chega a render cerca de R$ 500 mil, possibilitando ocupação de 100% da rede hoteleira da cidade. A programação da virada 2019/2020 conta com 300 artistas. Entre os destaques anunciados pelo governo municipal estão Bell Marques, Claudia Leitte, Durval, Matheus e Kauan, Paralamas do Sucesso, Anitta, Luan Santana, Igor Canário, Alok, Gusttavo Lima, Wesley Safadão, Lincoln e Duas Medidas, Iza, Harmonia do Samba, Psirico, Léo Santana, Xandy Avião, Saulo, Dennis DJ, Jorge e Mateus. A virada do ano será comandada por Ivete Sangalo e o pôr do som no dia 1 de janeiro por Daniela Mercury.

“A gente se conecta pela música”, diz o slogan da prefeitura, que deixou de lado além dos blocos afros, muitos artistas negros que são expoentes da música baiana. A programação desprezou cantoras como Margareth Menezes, que cantou no Vaticano durante a solenidade de canonização de Irmã Dulce, além de ignorar, por mais um ano, artistas com posicionamento político mais à esquerda, caso do Baiana System, que arrasta uma multidão na cidade, além da nova safra de artistas baianos como Attooxxa, Luedji Luna, Afrocidade, entre outros.

Além das atrações, a Prefeitura de Salvador promete 15 minutos de fogos de artifício no que chama de “maior show pirotécnico do país”, além de show de drones. A virada terá ainda camarotes, a maior roda gigante da América Latina, tirolesa de 10 metros de altura, além de vila gastronômica com mais de 40 estandes.

Foto: Heitor Salatiel

Festas religiosas. Ao longo do verão, festas como Bonfim, Iemanjá e Lavagem de Itapuã a prefeitura estima que deve reunir 1,5 milhões de pessoas e outras 2 milhões por dia durante o carnaval. Em 2019, uma das polêmicas foi a prefeitura anunciar a Festa de Iemanjá, única que carrega o nome de um orixá, como Festa de 2 de Fevereiro. A comunicação chegou a ser questionada, mas não houve tempo hábil de reversão. Questionado pelo Guia Negro, se em 2020 o evento voltará a ser anunciado como “Festa de Iemanjá”, ACM Neto disse que “algumas peças de patrocínio trouxeram o nome de ‘Festa 2 de Fevereiro’ por não poder conter comprometimento religioso”. “A Prefeitura sempre tratou como Festa de Iemanjá. Não existe orientação nesse sentido. Vou até a colônia de pescadores todos os anos e carrego o adro até o mar. Nós patrocinamos o presente entregue pelos pescadores como oferenda para Iemanjá”, afirma.

A Festa de Iemanjá reúne milhares de pessoas no Rio Vermelho vestidas de branco, jogando oferendas para a rainha do mar. Ao contrário de outras festas em que por conta do sincretismo religioso ganha o nome do santo católico, como Nosso Senhor do Bonfim (Oxalá) e Santa Bárbara (Iansã), ela leva o nome da própria divindade do Candomblé. A estratégia de não divulgar o nome da orixá foi vista pelas lideranças religiosas de matriz africana como uma tentativa de “higienizar a festa”.

ACM Neto garantiu ainda que a mancha de óleo que afeta praias do Nordeste brasileiro não causou restrição de balneabilidade nas praias de Salvador. “Tivemos uma mobilização com 600 colaboradores. Continuo comendo frutos do mar e não vamos descansar enquanto tiver uma pedra ou um pedaço de areia suja”, afirma. Ele nega que o incidente vá atrapalhar o que chama de “maior verão de todos os tempos”. De dezembro a março, o turismo deve render cerca de R$ 3 bilhões para a cidade.

Depois de lançar uma virada de ano como programação extensa, a cidade pretende agora se consolidar como destino de natal. A partir do próximo dia 15 de novembro terá a iluminação natalina que inclui atividades culturais e artísticas no centro histórico. O prefeito que entra em seu último ano de mandato pretende entregar um centro de convenções à beira mar e lembra que a duplicação do aeroporto será inaugurada em dezembro. Além disso, o centro histórico está em reforma, que deve prosseguir ao longo do verão, o que não deve impedir, por exemplo, do Pelourinho receber atividades artísticas durante o dia e a noite.

Foto: Heitor Salatiel

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Redação

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