Ação cobra indenização do Estado de SP por perseguição da PM a passeio turístico

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública por conta dos atos praticados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo nos dias 24 de outubro de 2020 e 27 de março de 2022 que consistiram na abordagem discriminatória e no monitoramento injustificado da plataforma de afroturismo Guia Negro, que realizava a experiência turística “Caminhada São Paulo Negra”. A ação foi ajuizada na 11ª Vara de Fazenda Pública e pede R$ 1,2 milhão por processo de racismo estrutural praticado pelo Estado de São Paulo.

A empresa organiza uma visitação guiada pelo centro da capital paulista, que percorre locais e monumentos representativos para a população negra, tendo como propósito, a realização de um resgate da história do povo negro na cidade de São Paulo. O itinerário completo percorrido é de aproximadamente 3,5 km, começando na Praça da Liberdade e terminando no Largo Paissandu. “A Caminhada São Paulo Negra é um evento que possui impacto estritamente necessário na sociedade, sobretudo para a população negra da capital paulista. Pode-se considerá-la um ato de resistência, de visibilização, de memória, de valorização, e de promoção da cultura e da história afro-brasileira”, define, em um trecho da ação.

Em 24 de outubro de 2020, o grupo foi abordado pela Polícia Militar do Estado São Paulo, com a aproximação de duas viaturas policiais que pertenciam à Unidade do Cambuci. A alegação dos policias foi de que receberam ofício do Comando da PM para acompanhar a atividade em razão de monitoramento feito pelo Facebook de manifestação do movimento negro, o que foi prontamente refutado pelos anfitriões do Guia Negro que destacaram que se não se tratava de manifestação, mas sim um tour, realizado por uma empresa de turismo, com clientes pagantes.

O tour passou a ser monitorado por dois policiais da ROCAM (Rondas Ostensivas com Aplicação de Motocicletas), que seguiram o grupo com as motocicletas pelos pontos que iam sendo percorridos. Naquele mesmo dia e local, outros grupos, bem maiores do que aquele que participava da “Caminhada São Paulo Negra”, estavam reunidos, em razão do período de campanha política e não ocorreu qualquer tipo de abordagem por agentes de segurança do Estado.

Quando o grupo passou pela Estação Anhangabaú imaginou que se afastaria dos policiais e deixariam de ser monitorados.  Mas ao sair da estação passou a ser acompanhado pela cavalaria da Polícia Militar, dessa vez, da Unidade da República. A realização do tour foi bastante comprometido, com um constrangimento público perante transeuntes e demais pessoas que estavam de passagem ou trabalhando no local, já que o grupo, composto majoritariamente por pessoas negras, foi seguido ostensivamente durante todo o trajeto da caminhada.  Os condutores do passeio, assim como os clientes, foram submetidos à pressão psicológica e constrangimento do início ao fim da atividade, iniciada por volta das 10h e finalizada por volta das 13h. Houve ainda filmagem do tour por parte dos policiais.

A Ouvidoria Geral da PM foi acionada pelo Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (NUDDIR) e em 3 de dezembro de 2020 houve uma reunião com o Comando Geral da Polícia Militar, em São Paulo, que não reconheceu a prática discriminatória, apenas se limitou a convidar os representantes do Guia Negro para realizarem uma aula sobre o tema do racismo estrutural e institucional.

A formação foi realizada para um grupo de 30 policiais que participavam do curso de formação em direitos humanos, não envolveu os agentes que seguiram o tour e não voltou a ocorrer.  Em  27 de março de 2022, a Polícia Militar paulista expos o grupo a novo constrangimento e intimidação, durante a realização do tour “Caminhada São Paulo Negra”, ao abordar de modo agressivo uma anfitriã negra da equipe da caminhada. A guia teria sido acusada de agir contra o patrimônio público, após posicionar um cone de trânsito, que se encontrava do outro lado da rua em que o grupo estava, para sinalizar um buraco na via pública, após um dos participantes cair no local devido ao buraco.

A Defensoria Pública considera que se trata de caso de filtragem racial praticada por agentes de segurança do Estado que comprometeu atividade cultural e turística de valorização da memória, história e cultura negra, por isso requer a condenação do Estado em danos morais coletivos na quantia de mil salários mínimos (R$ 1,2 milhão) a ser revertido em projetos culturais e turísticos que valorizam a cultura negra.  “Quando entramos com a ação ouvimos de muitas pessoas que não ia dar em nada, que era só racismo. Mas o Estado precisa ser punido e situações como essa não podem mais ocorrer. Esperamos que esse dinheiro possa ser usado na formação de policiais e professores sobre cultura e história negra. Vai representar uma grande vitória para o afroturismo e um marco para que isso nunca mais ocorra”, diz o fundador do Guia Negro, Guilherme Soares Dias.

A ação é assinada pelos coordenadores do NUDDIR, defensores Vinicius Silva, Yasmin Pestana e Paulo Giostri.  O processo foi distribuído ao juiz Fausto Dalmaschio Ferreira da 11ª Vara de Fazenda Pública.

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Redação

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