Quase quatro anos depois de ter sido declarado Patrimônio da Humanidade, o Cais do Valongo, no Centro do Rio de Janeiro, ainda está longe de apresentar todas as ações de revitalização prometidas a Unesco, quando o título foi solicitado.
A sinalização turística ainda não foi instalada, a região continua sofrendo com alagamentos, e o principal ponto da candidatura, a criação de um museu de território, para contar a história do cais e de todo o entorno, conhecido como Pequena África, ainda está na fase de projeto executivo.
Esta semana, o Ministério Público Federal encaminhou mais uma recomendação aos órgãos envolvidos na valorização e conservação do cais, pedindo providências para acelerar as ações pactuadas. O documento foi redigido após uma audiência pública, onde o procurador Sérgio Suyama destacou a importância do Valongo, lembrando que o local é de memória, pois era o principal ponto de chegada dos africanos ao país.
Quando o título foi concedido, diversas responsabilidades foram divididas entre o Governo Federal e a Prefeitura do Rio de Janeiro, o que foi lembrado pela coordenadora da área de Cultura da Unesco no Brasil, Isabel de Paula.
A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto, do município, por exemplo, ficou encarregada de manter o cais conservado, garantindo sua limpeza e segurança, e evitando os alagamentos que por diversas vezes esconderam o cais embaixo da água poluída da Baia de Guanabara. De acordo com a Cdurp, isso acontece pelo retorno do lençol freático ao seu nível normal.
A recomendação do MPF pede que uma solução definitiva seja apresentada em até 90 dias. Na audiência, o presidente da Companhia Gustavo Guerrante afirmou que a poluição é justamente o motivo para o cais ser mantido seco, apesar de nenhum dano por isso ter sido comprovado.
No início, o projeto de revitalização até previa a cobertura de parte do cais por um espelho d’água natural, para deixar claro que o mar já chegou até ali, e o Valongo era um ponto de desembarque de navios. Diante da impossibilidade, Gustavo Guerrante garantiu que um sistema mais reforçado de bombas de drenagem já está sendo estudado.
Mas o maior desafio do projeto está a cargo do Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: a criação do Centro de Interpretação do Cais do Valongo. Previsto para ser um museu de território, seu objetivo é contar a história do cais, exibir peças relacionadas à escravização no Brasil, encontradas em escavações na região portuária, e conectar outros locais próximos que também remontam a essa história, como o Cemitério dos Pretos Novos e o Quilombo da Pedra do Sal.
Depois de muitas negociações, o Centro poderá ser instalado no Armazém Docas Pedro II, que fica em frente ao cais e foi concebido por André Rebouças, o primeiro engenheiro negro do Brasil. De acordo com o superintendente do órgão no Rio de Janeiro, Olav Shrader, a elaboração do projeto executivo do museu está avançando e o espaço está sendo concebido para ser devolvido a sociedade com áreas multiuso.
O Iphan foi questionado sobre a previsão para o início das obras de recuperação e adaptação do Armazém, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. Ao Instituto, o MPF recomendou a prorrogação do contrato com a empresa responsável pelo projeto executivo, e que representantes do movimento negro e de outros equipamentos culturais da região possam dar suas contribuições. Apesar de não ter concluído os trabalhos, a empresa já apresentou um anteprojeto arquitetônico do Museu, com área reservada para exposição sobre o cais, e também para o Laau, o Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana, que detém mais de 1,3 milhão de peças retiradas do sítio arqueológico do Valongo e já denunciou problemas na conservação desse material.
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Por Tâmara Freira/Repórter da Rádio Nacional. Fonte: Agência Brasil
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