Dez momentos em que faltou representatividade negra nos 70 anos da TV brasileira

Guilherme Soares Dias

A televisão brasileira completou 70 anos na última sexta-feira (18) e a falta de representatividade de pessoas negras acompanha a história do veículo de comunicação mais popular do país. Desde a primeira transmissão até hoje é só ligar a TV em qualquer horário que, dificilmente, terá maioria de pessoas negras na programação. Para lembrar a data o Guia Negro preparou sete momentos memoráveis para a representatividade de pessoas negras e agora traz a lista de dez momentos em que faltou representatividade negra nos 70 anos da TV brasileira. Confira a lista:

1 – Primeiro protagonista negro era branco


A Cabana do Pai Tomás, novela que foi ao ar na Globo entre 1969 e 1970 trazia um protagonista fazendo uso da técnica chamada blackface. O ator Sérgio Cardoso, branco, era o protagonista e pintava o corpo e o rosto de preto, usava perucas e chegava até mesmo a pôr rolhas no nariz. Ele foi escolhido pela agência de publicidade Colgate-Palmolive para dar vida ao escravo Tomás. A trama trazia uma história sobre o período da escravidão nos Estados Unidos e contava com nomes como Jacyra Silva, Haroldo de Oliveira, Isaura Bruno, Milton Gonçalves e Ruth de Souza.

2 – Escrava Isaura/Gabriela


Na novela Escrava Isaura de 1976, uma das mais exportadas da história da dramaturgia brasileira, apesar de a protagonista ser uma escrava, a personagem era interpretada pela atriz branca Lucélia Santos. “Gabriela”, de 1975, trazia Sônia Braga como a protagonista descrita por Jorge Amado como “mulata” e embranquecia também os outros personagens, mesmo se passando na Bahia.

3 – Jornal Nacional


O principal telejornal do país, da TV Globo, nunca teve entre os seus apresentadores fixos da bancada pessoas negras. Figuras como Heraldo Pereira e Zileide Silva já atuaram como substitutos e Maju Coutinho apresentou o quadro da previsão do tempo. Na bancada fixa, rostos brancos. Entre os repórteres que entram de cada estado há um status em fazer reportagem para o JN. Somente os chamados “repórteres de rede” estão habilitados a fazer esse tipo de matéria. Mais uma vez rostos predominantemente brancos são vistos, assim como entre os correspondentes internacionais. Isso se reflete em todos os telejornais locais, incluindo a Bahia, que só recentemente passou a ter alguns apresentadores negros.

4- Segundo Sol


Segundo Sol, novela das 21h que foi exibida pela TV Globo em 2018, recebeu críticas desde antes de sua estreia por conta da baixa quantidade de atores negros no elenco. Mesmo retratando a Bahia, tinha pessoas negras quase como “cota”. Dias antes do início da novela, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) chegou a enviar uma notificação com teor recomendatório com exigências a serem cumpridas pela Globo.

5 – Programas de auditório


Os programas de auditório são apresentados historicamente por pessoas brancas. Os grandes comunicadores da TV que falam para milhões de pessoas diariamente não retratam a maioria da população brasileira. Entre os mais conhecidos, temos Chacrinha, Hebe, Silvio Santos, Faustão, Eliana, Gugu Liberato, Rodrigo Faro, Luciano Hulk, Angélica,  Fátima Bernardes, Ratinho, entre outros. Iza e Netinho são exceções de pessoas negras que conseguiram ter seus programas de auditório.

6- Sexo e as negas (sitcom)


Os sitcons de humor sempre tiveram majoritariamente pessoas brancas no seu elenco. A série de 2014 “Sexo e as Nega” traz o universo de quatro mulheres negras do subúrbio carioca numa analogia à série norte-americana “Sexy and the city”. O problema é que o programa é escrito pelo autor branco, Miguel Falabela, e traz mulheres estereotipadas e sensualizadas. Após críticas, a série não foi renovada e não faz parte das reprises que emissora exibe em seus diferentes canais.

7 – Em Pauta


O Programa da Globo News traz a discussão do tema mais quente do dia para o horário nobre. Em julho de 2020, quando o tema era o assassinato de George Floyd e “a pauta era o racismo no Brasil”, o programa tinha sete pessoas brancas comentando. Um telespectador chamou atenção para a incoerência no Twitter e teve o post viralizado. O Em Pauta precisou se rever e trouxe no dia seguinte seis jornalistas negros da casa para comentar o assunto. Foi histórico. O programa foi reprisado como um Globo Repórter, na TV Globo, na mesma semana.

8- Roda Viva

O programa Roda Viva, da TV Cultura, é um dos mais tradicionais de entrevistas da TV. Traz entrevistados que falam de temas quentes, personalidades reconhecidas em suas áreas e jornalistas e especialistas nos temas debatidos para conversas que rendem programas históricos. O doutor em administração Hélio Santos foi interrompido diversas vezes e rechaçado em sua participação no programa em 2002. Entre 11 de janeiro de 2016 até 22 de junho de 2020, foram exibidos 246 programas de acordo com a LójúKojú (cara a cara em iorubá), coletivo que pesquisa dados sobre as desigualdades estruturais no Brasil. Entre os programas analisados, foram 205 que são entrevistas no formato convencional e 41 debates temáticos com mais de um participante. Desse total, 92,21% dos entrevistados eram brancos. Entre os debatedores, 92,97% eram brancos. O diretor de jornalismo da TV Cultura, Leão Serva, afirma que a TV Cultura “tem meta de mudar essas proporções e trabalhado para isso”.

9 – Programas infantis

As apresentadoras loiras dominaram os programas infantis das décadas de 1980 e 1990. Xuxa, Angélica, Eliana, Mariane Ribeiro Dombrova, Jackeline Petkovic eram alguns dos cabelos platinados e pele alva que comandavam programas destinados a crianças, brincadeiras e desenhos que fizeram parte do imaginário de toda uma geração. Mara Maravilha e a menina Maisa também tiveram seus programas. Nesses anos todos, mulheres negras não foram vistas à frente desses programas. Élida Muniz, que era uma das apresentadoras da “TV Globinho”, foi uma das raras exceções, mas sem o sucesso e repercussão das citadas anteriormente.

10 – Nenhuma grande emissora tem proprietário negro

Edir Macedo, Silvio Santos e Marcelo de Carvalho são donos da Record, SBT e RedeTV! (Foto reprodução).

SBT, Globo, Band, Record, RedeTV e TV Gazeta são a principais emissoras do país. Todas elas têm entre seus proprietários homens brancos. Os principais executivos também refletem essa ausência de negritude e de diversidade de gênero. Aliado ao racismo estrutural, isso ajuda a explicar a ausência de negritude em toda a programação.

RECOMENDO:

O documentário A Negação do Brasil (2000) mostra a ausência de pessoas negras nas telenovelas e como muitos atores negros tiveram personagens estereotipados ao longo dos anos.

LEIA MAIS:

Sete momentos memoráveis dos 70 anos da TV para a representatividade negra

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Redação

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