Encontro histórico reúne setor do afroturismo e governo com pautas para os próximos 4 anos

Pela primeira vez na história, representantes do setor de afroturismo de diferentes localidades e atuações estiveram em uma reunião em Brasília com membros de diversos setores do governo para pautar quais serão as políticas públicas para os próximos quatro anos. O encontro “consolidação e promoção do Afroturismo” ocorreu em 31 de agosto na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e foi organizada pelo Ministério do Turismo, Ministério da Igualdade Racial e Embratur.

O evento reuniu profissionais de diferentes estados São Paulo (Guia Negro, Rotas da Liberdade), Rio de Janeiro (Rio Encantos, Etnias Turismo), Mato Grosso (Afrotours Agência), Rio Grande do Sul (Sitio Rosa do Vale), entre outros, além de representantes de secretarias municipais e estaduais de Rio Grande do Norte, Ceará, Goiás e Maranhão e dos órgãos organizadores do encontro.

Para o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, o Afroturismo é “prioridade”. “Queremos que o mundo venha visitar, conhecer, valorizar, preservar e dar espaço de importância política. A gente quer experiência comunitária, experiência quilombola, experiência dos povos tradicionais”, declarou Freixo, que entendeu o capital político da pauta e a transformou em eixo central da sua atuação, dando destaque nas campanhas que serão feitas para promover o turismo do Brasil ao redor do mundo.

A agência está lançando o sistema chamado de “Cadastramento de Experiências (CAE) que terá um recorte racial chamado de “CAE Black” que fará o levantamento e sistematização das experiências de afroturismo brasileiras. Já o Ministério da Igualdade Racial deve trabalhar o rotas negras, desenvolvendo roteiros de afroempreendedores pelo Brasil adentro. Enquanto o Ministério do Turismo, apresentou o projeto “Brasil Original”, com o objetivo de ampliar e diversificar a oferta turística brasileira com experiências feitas por povos indígenas e quilombolas em seus territórios.

A programação e sistematização do evento foi realizada pela Diáspora.Black, start up do setor que oferece cursos, locações e roteiros turísticos.

Quais os desafios do afroturismo?
A mesa Afroturismo e o Mercado (foto acima) contou com a presença da fundadora da Rotas da Liberdade, Solange Barbosa, que falou sobre o que é o afroturismo; da coordenadora de diversidade, afroturismo e povos indígenas da Embratur, Tania Neres, que falou sobre o poder do afroturismo; do co-fundador da Diaspora.Black Antonio Pita, que falou sobre o mercado do afroturismo; e com o fundador do Guia Negro, Guilherme Soares Dias, que falou sobre os Desafios do afroturismo.

Veja o discurso de Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro:
“Primeiro agradecer a Solange Barbosa (fundadora da Rotas da Liberdade) e Helcias Pereira (guia de turismo, griot e membro da Anajo em Alagoas) e a todas que vieram antes pelas caminhadas trilhadas e que nos trouxeram até aqui. Sempre uma honra quando nossas rotas se cruzam.

Sou Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro, uma plataforma de afroturismo que desde 2017 produz conteúdo sobre turismo e diversidade e desde 2018 realiza experiências turísticas afrocentradas. No último 13 de maio, junto com parceiros Brasil adentro, colocamos 22 caminhadas negras ao mesmo tempo para rodar as 5 regiões do Brasil. São as histórias que a história não conta.

Esses parceiros são pessoas que temos articulação, além do fórum de afroturismo, que reúne profissionais de diferentes estados e atuações, e com os quais conversei pra formular essa resposta de qual o desafio do afroturismo.

Então, eu não chego aqui só!

A primeira resposta e que guia as demais é: dinheiro! Afinal, estamos em um banco.

A gente avançou e hoje consegue ser chamado de afroturismo e não mais de turismo étnico, mas precisamos de um segundo passo e ele significa investimento. As empresas de afroturismo ainda são pequenas, precisam de investimento pra formalização, em tecnologia, para marketing, para concorrer nos editais…

Aliás, os editais que estão vindo agora precisam nos atender. Sim, não somos nós que temos que nos adaptar aos editais. São eles que precisam se adaptar a gente. Como assim? É dinheiro público. Tem regras. Mas as regras podem ser ter um percentual maior de pessoas negras na equipe, já trabalhar com afroturismo há xx anos. Se os editais não contemplarem que já atua e continuará atuando, eles não servem para o afroturismo.

Se não continuaremos a ter o exemplo negativo, BID, do Salvador Capital Afro, em que a política foi feita por brancos e o edital foi vencido pelas mesmas empresas brancas de sempre, que contrataram algumas pessoas negras pra executar. Mas o grosso da grana e quem pensa ela ainda é branco. Não dá mais. Nada sobre nós sem nós.

A gente corre o risco não só disso ser repetido na segunda etapa do programa Salvador Capital Afro, mas também na revitalização do Cais do Valongo. O dinheiro que a gente quer, também precisa ir para artefatos turísticos, placas, monumentos, praças, homenagens a pessoas e cultura negra. Nesse sentido, São Luís é um bom exemplo, Saulo Santos e sua equipe colocaram placas com QR Code em lugares importantes para o povo preto no quilombo urbano da Liberdade.

A gente quer mais. A gente quer no país inteiro. Placas maiores, Monumentos maiores. Porque não tem um monumento a cultura e história negra com mais de cinco metros nesse país? O Borba Gato tem 13 metros…O Cristo Redentor 38 metros.

Esse dinheiro, precisa ser usado para capacitações. Precisa chegar a quilombos, terreiros, lugares de manifestações culturais negras, sabiam que a maior parte dos patrimônios imateriais no Brasil são da diáspora africana, samba, capoeira, acarajé, que verba eles recebem? A gente aqui nessa sala não está inventando a roda. Essas organizações já fazem o acolhimento e a promoção da cultura e história negra, precisam agora estar capacitados para receber turistas. Sem isso o turismo não vai acontecer de forma natural, consistente e duradoura.

O dinheiro precisa ser usado para capacitar mais guias, agências, hotéis para trabalharem com o afroturismo. Precisamos de políticas públicas específicas para o afroturismo e que as secretarias estaduais e municipais sejam envolvidas. Precisamos de mais Saulos, no Recife, São Paulo, Rio, Cuiabá, Macapá, Porto Alegre…
Precisamos de mais marketing, para promover o afroturismo, os destinos, os lugares, quem já faz. Até por isso, nós do Guia Negro, estamos encampando junto com outros atores, a criação do Dia Nacional do Afroturismo. Investir na mídia negra, com banners sobre os destinos negros, na em sites como Mundo Negro, Alma Preta, Soteropreta, Correio Nagô…

E precisamos investir em dados, incluir a questão racial, para entender qual o percentual de negros hospedados em hotéis, viajando para o exterior, etc… Precisamos de capacitação dos aeroportos, policiais, eles precisam entender que corpo negro não é suspeito. A gente precisa poder circular com nossos corpos negros a lazer e ter isso de forma livre e tranquila.

E, por fim, precisamos entender que não há uma negritude no Brasil. Há várias e muitas diferenças, diversidades e peculiaridades, precisamos valorizar cada uma delas nisso tudo que a gente chama de afroturismo. E além disso que já temos um futuro no afroturismo, com profissionais como a Julia Madeira, da Rotas Afro, que realizar a realidade virtual e aumentada.

E que esse seja só o começo. Que nunca mais deixemos de ser ouvidos e que nenhum recurso para o turismo seja pensado, sem que seja considerado o afroturismo e a diversidade nas viagens! Esse é o futuro!

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Redação

O Guia Negro faz produção independente sobre viagens, cultura negra, afroturismo e black business

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