O Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil reconheceu Esperança Garcia como a primeira advogada do Brasil. Nascida por volta de 1750, a mulher negra do Piauí teve uma dura história de vida. Agora, depois de mais de dois séculos, finalmente teve conhecimento e inteligência validados.
Esperança nasceu em uma fazenda, no interior do estado do Piauí. A propriedade, localizada onde hoje se encontra o município de Nazaré do Piauí, era de propriedade de padres jesuítas.
Durante 9 anos ela viveu no seu local de origem, até ser expulsa e se mudar para o Maranhão, na fazenda do então capitão Antonio Vieira Couto. Lá, ela foi escravizada durante toda a sua adolescência e fase adulta.
Esperança teve dois filhos, era católica e, entre muito poucos, uma escrava que sabia ler e escrever.
A carta ao governo
O título de primeira advogada da história do Brasil se deu devido ao fato de que Esperança e um de seus filhos, além de escravizados, sofriam uma série de maus tratos por parte do capitão da fazenda.
Com isso, Esperança decidiu redigir uma carta e encaminhá-la para Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, o então governador da Capitania do Maranhão.
Nessa carta, ela denunciava os abusos que ela e os filhos sofriam, além de demonstrar o interesse em retornar ao Piauí, na Fazendo de Algodões onde nasceu. Assim, ela poderia batizar sua filha e reencontrar o marido, ao qual foi obrigada a largar a força, devido as regras do regime de escravização no qual vivia.
O descobrimento dessa carta teve uma grande importância histórica, não só para o Direito no Brasil mas também para o entendimento e noção da existência de mulheres pretas escravizadas alfabetizadas.
Essa carta foi uma petição, na época em que o Direito no Brasil ainda não existia. Esperança lutava por ela e por seu grupo, com a formalidade, o entendimento de seus direitos e a briga por eles. Isso tudo fez com que ela recebesse o título por parte da OAB.
A primeira advogada da história brasileira
Em novembro de 2022, Esperança foi reconhecida pela OAB como a primeira advogada da história do Brasil.
O presidente do Conselho Pleno da OAB, Beto Simonetti, reconheceu os feitos de Esperança e ordenou a construção de uma homenagem a ela, que seria um busto a ser colocado dentro do Conselho Federal.
O reconhecimento veio, apenas agora, em âmbito nacional. Contudo, dentro do estado de Pernambuco, Esperança já possuía esse reconhecimento, tendo inclusive um prêmio dedicado a ela dentro da OAB-PE. No Piauí, seu estado de origem, ela também já havia recebido o reconhecimento.
A importância da homenagem
Com o racismo tão presente na sociedade brasileira, olhar para trás e ver uma mulher preta escravizada sendo exemplo da luta por direitos iguais diz muito sobre a necessidade que temos de agir nos dias de hoje.
A história contemporânea é marcada pelo racismo estrutural que, de uma maneira velada aos olhos de muitos, ainda causa uma série de dores da população preta. A carta de Esperança, de uma maneira desagradável, mostra que não avançamos tanto no que se pensa.
Ainda estamos lutando por direitos trabalhistas, por poder cuidar dos nossos de maneira digna, de poder ter oportunidades… O quanto isso tem de diferente da escravidão propriamente dita?
Pensar que há mais de 200 anos, dentro do período escravocrata, já existia alguém dentro da lei, lutando contra o racismo, torna ainda mais necessário a nossa luta hoje.
Lutamos por esperança e para Esperança. Devemos isso a ela que, sozinha, em um tempo em que ninguém pensava em amplificar nossa voz, uma mãe preta e escravizada teve a coragem de ser a primeira.
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