Manual dos nadismos indispensáveis

Texto do livro Dias pela Estrada, que lancei em 2017, mostra o prazer de fazer nada e a diferença entre turistas e viajantes:

O que você faz aqui?

Estou de férias!

Para os amigos eu conto que estou de período sabático.

O que todos me perguntam na sequência – sabendo que sou jornalista – é se estou escrevendo.

Sobre Kotao?, o lugar em que estou agora. Sobre a Tailândia. Sobre a viagem. Sobre a vida, sobre o mundo, sobre mim…?

Não estou escrevendo!*

Essas urgências que as pessoas têm de que tudo seja retratado não são minhas.

Eu vivo de nadismos.

Não faço nada um dia inteiro. E no outro também.

As pessoas aqui fazem curso de mergulho, de massagem, de cozinha, escalam montanhas, atravessam as ilhas. Fazem passeios incríveis pelo oceano, pegam barcos e visitam lugares longínquos no mar.

Eu fico na praia.

Vejo o sol chegar ao ponto máximo ao meio dia, depois espio ele descendo vagarosamente.

No meio da tarde, é verdade, eu faço alguma coisa: resolvo escolher um drink para divertir as horas: um colorido ou mais uma cerveja?

Às vezes, eu tomo um sorvete para tornar a vida ainda mais divertida.

Mas só são esses nadismos que eu pratico.

No fim do dia lá estou eu na mesma praia, presenciando o mesmo pôr do sol. Na verdade, ele foi completamente diferente todos esses dias em que eu estive no mesmo lugar.

Eu já tenho amigos admiradores de pôr do sol. Eles estão aqui também todos os dias.

São hippies, são cachorros. A galera que mora aqui…

Os turistas estão sempre indo ou vindo de algum lugar, algum passeio. Eles fotografam e falam de tudo, mas mal conseguem ficar parados para ver algo de verdade.

Por aqui, essa vida de não retratar o mundo e desinformar os acontecimentos é o que me embala.

Afinal, é férias, é sabático. E é assim que vivo agora.

(Kotao, 26-07-16)

*esse texto originalmente foi um áudio gravado num gravador de voz

Qual é a sua paisagem predileta no mundo?

 

 

 

Compartilhe:
Avatar photo
Redação

O Guia Negro faz produção independente sobre viagens, cultura negra, afroturismo e black business

Artigos: 695

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *