O sertão e a quebrada me criaram para o mundo

Por Beatriz Sanz*

Era a primeira vez em um avião. Era a primeira vez pisando em outro país. A ansiedade se misturava com a incredulidade e gerava uma sensação estranha. Como aquilo estava acontecendo na minha vida? Criada em uma Malhada, uma pequena e linda cidade do sertão baiano, durante a infância meu maior entretenimento de sexta-feira à noite era assistir ao Globo Repórter.

O programa que trazia reportagens sobre outras culturas e países me instigava. As bonitas paisagens, as pessoas diferentes, seus costumes, línguas e afazeres. Passaram-se os anos. Eu sentia que a cidade pequena não me cabia mais, eu era grande demais, queria o mundo para mim. A oportunidade de conquistá-lo veio anos mais tarde. Já morando em Diadema (SP), com um diploma na mão e trabalhando como repórter da editoria de internacional para um site de notícias, a proposta surgiu: cobrir um evento sobre juventude e mercado de trabalho no Uruguai.

Para pegar o voo, sai de Diadema às 6 horas da manhã, mas isso não é nada diferente do que já estou acostumada. Para chegar ao trabalho, para estudar ou para ter acesso a cultura e diversão sempre preciso cruzar a cidade. A viagem foi patrocinada pela Nestlé. Não apenas estava em outro país, como seria uma turista de luxo, em um ótimo hotel, com as melhores experiências.

Por lá, encontrei dois amigos que, como eu, saíam de suas periferias para conhecer o mundo pela primeira vez. Representando veículos da imprensa alternativa, meus companheiros eram a realidade do novo jornalismo. A conexão entre nós foi automática, assim como o espanto com cada nova experiência e a admiração com cada descoberta.

Como pessoas negras e pobres, muitas vezes, temos que lutar para conseguir o básico da sobrevivência, para nós e para quem nos rodeia, tudo era sonho e diversão. Agradeço ao Jeferson e à Melissa pelos momentos incríveis que partilhamos. No pouco que conheci do país, a desigualdade não estava presente. Sabia que ela estava ali, só não ficava tão latente quanto é no Brasil.

Também haviam poucas pessoas negras, mas porque a escravidão no país foi infinitamente menor. Segundo dados oficiais, apenas 4% da população uruguaia é negra. Haviam poucas pessoas em situação de rua e todo o centro da cidade era limpo e bem preservado. Em nenhum momento fui vítima de racismo ou discriminação.

O primeiro país do mundo a legalizar o uso recreativo da maconha acabou me chamando a atenção pelo uso infinito do Matte. Por todas as ruas que passei sempre havia alguém, independente da idade, a carregar uma garrafa com água fervida e uma cuia com erva para se aquecer.

Todas as pessoas foram acolhedoras e se esforçavam para aprender o português. Grande parte dos uruguaios com quem falei já tinham conhecido o Brasil. Montevidéu é muito menor que São Paulo e, talvez por isso, conserve um ar de cidade do interior para quem sai da grande metrópole latina. Não existem tantos carros, tanta poluição e as pessoas parecem partilhar algum segredo que lhes permite ter uma qualidade de vida superior.

A praia banhada pelo Rio de la Plata era castigada pelo frio, especialmente quando as grandes nuvens escondiam o sol. Ainda assim, as pessoas continuavam a passear pela areia fria e fina, pela orla ou a praticar esportes radicais como windsurf nas águas que trincavam de gelada. Eu, crescida e banhada e nas águas do Velho Chico, apenas me arrisquei a molhar os pés. Apesar das mudanças de cultura, da falta de feijão nas refeições e do outro idioma, me senti quase em casa no Uruguai e tive a certeza que todo o mundo espera por mim.

*Jornalista e viajante de primeira viagem

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Redação

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