Retratistas do Morro celebra 10 anos transformando comunidade de BH em galeria

O coletivo Retratistas do Morro, referência nacional na preservação da memória afro-diaspórica brasileira, celebra dez anos de atuação com a realização da exposição “Retratistas do Morro – Território de Memórias”, primeira grande mostra realizada dentro do Aglomerado da Serra, comunidade de Belo Horizonte, onde o projeto nasceu. O lançamento da exposição acontece no sábado, dia 20 de dezembro, das 14h às 16h30, com programação gratuita que reúne celebração com caminhada guiada, com um percurso pelas obras instaladas na comunidade. 

O projeto “Retratistas do Morro – Território de Memórias” realiza uma exposição com seis fotografias em formato outdoor reunindo imagens históricas, raras e inéditas, impressas com 9 metros de altura, que retratam moradores da comunidade.

As fotografias são dos retratistas tradicionais que trabalham, desde 1960, registrando o cotidiano do Aglomerado da Serra, João Mendes e Afonso Pimenta, e estão instaladas em locais de potência simbólica e conectados à história de cada retratado. Ao ocupar a paisagem urbana com escala monumental, o projeto transforma as ruas da favela em uma galeria a céu aberto, na qual a própria comunidade se vê, se reconhece e se celebra.

“Retratistas do Morro nasceu para garantir que a favela seja autora da própria história. Ao ocupar o território originário do projeto com imagens em grande escala, devolvemos esses retratos ao lugar ao qual pertencem, ao olhar e às memórias da comunidade e à imaginação coletiva de quem vive aqui”, afirma o artista e idealizador Guilherme Cunha.

A exposição “Retratistas do Morro – Território de Memórias” é viabilizada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura com patrocínio da Unimed e realização da LabiCult. A mostra ficará exposta até março de 2026.

Lançamento com visita guiada e celebração

A programação de lançamento começa na Praça do Cardoso, às 14h, com uma celebração dos dez anos do projeto. De lá, o público será convidado a participar de uma caminhada guiada, passando por cada uma das seis obras expostas, conhecendo relatos, histórias e reflexões sobre os personagens, os fotógrafos e a memória construída pelas imagens. A atividade é gratuita e aberta ao público, moradores e interessados na história da fotografia, da cidade e das favelas brasileiras.

Moradores em destaque

Cada instalação é considerada uma galeria no projeto, e ocupa seis pontos do Algomerado da Serra. As galerias 1 e 2, trazem a memória dos Bailes dos anos 1980, com moradores que frequentavam as festas embaladas pelo ritmo do soul e muita dança em fotos do Afonso Pimenta. Entre os retratados estão Adaílson Pereira da Silva, no Baile Soul do DCE (Diretório Central dos Estudantes), e Elana dos Santos, no Baile do Italiana, ambas em 1985. 

“A gente ia pro baile e virou um vício porque nós não tínhamos acesso às músicas, tipo as do James Brown. O que ouvíamos lá ficava memorizado. Foi nos bailes que a gente conheceu Bee Gees, Barry White, Marvin Gaye”, destacou Adailson em seu depoimento para o projeto em 2018. O morador já faleceu e é reconhecido na comunidade como um exímio frequentador dos bailes da época.

Outra imagem icônica do fotógrafo Afonso Pimenta, traz o universo das celebrações em família, Aniversário de 6 anos da Renatinha, na Galeria 4, foto que já rodou exposições no país e no exterior, e hoje está em grandes acervos como o da Pinacoteca de São Paulo. Para a aniversariante retratada, Renata Gonçalves dos Santos, a foto é um acervo vivo de sua memória, “Essa foto representa muita simplicidade. Se a gente comparar os aniversários de antes com os de hoje, nós vemos que os aniversários têm muita pompa. Mas crianças dessa época ficavam satisfeitas apenas por serem convidadas para festa”, avalia em seu depoimento para o projeto.

A exposição traz também retratos feitos por João Mendes, em seu estúdio na Serra em que foi responsável pelos registros de moradores como Sônia Cristina da Silva, em 1979, que estampa a Galeria 5. “Eu tinha 19 anos, essa foto foi tirada para os meus primeiros documentos”, destaca a moradora.

Outro retratado pelo estúdio Foto Mendes é João Cardoso dos Santos, 1970, que ocupa a Galeria 6 com seu black power. “Tirei essa foto pra mandar pra minha namorada, que é minha esposa hoje. A gente se via só final de semana e eu mandava foto por correio, era uma foto tipo carta”, relembra. Destaques no acervo de João Mendes, as tradicionais fotos das crianças com os registros de suas formaturas também tem lugar na exposição e ocupa a galeria 5, com uma imagem da Série Becas, de 1980.

Uma década de memória, arquivo e reparação

Criado em 2015, o Retratistas do Morro se dedica a investigar, preservar e difundir a produção fotográfica realizada dentro das favelas, especialmente no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. O projeto evidencia o movimento de fotógrafos populares que, ao longo de mais de 50 anos, registraram batizados, festas, bailes, conquistas, cotidiano, moda, afetos e marcas de resistência, criando um patrimônio visual produzido a partir do olhar interno da comunidade.

Seu acervo central reúne cerca de 250 mil negativos em preto e branco e cor, nos formatos 120mm, 35mm, ½ 35mm e monóculos, pertencentes aos fotógrafos João Mendes e Afonso Pimenta, ativos desde o final da década de 1960. A iniciativa articula pesquisa documental, conservação física e digital, restauração, memória oral, formação de público e reflexão crítica sobre direito à imagem, desigualdade simbólica, patrimônio cultural e identidade.

Ao longo de sua trajetória, o coletivo recebeu importantes reconhecimentos, como o 30º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade (IPHAN), Rumos Itaú Cultural, Bolsa Funarte de Estímulo à Conservação Fotográfica e o prêmio PIPA Online 2023, além de destaque em revistas nacionais e internacionais como ZUM, Six Mois, Aperture Magazine e China Photography.

Sobre o coletivo

O Retratistas do Morro é formado pelo artista Guilherme Cunha, pelos fotógrafos João Mendes e Afonso Pimenta, pela produtora cultural Kelly Cristina e por Dona Ana Martins, figura histórica do Aglomerado da Serra. O coletivo atua a partir de práticas baseadas em: pesquisa de imagens e historicidade; vivências comunitárias; preservação da memória oral e visual; conservação e restauração de acervos fotográficos e educação e difusão cultural. Ele vem contribuindo para uma reescrita da história da imagem brasileira, reconhecendo a centralidade da produção visual das favelas e afirmando sua relevância estética, documental e política.

SERVIÇO

Exposição Retratistas do Morro – Território de Memórias

Lançamento: 20 de dezembro de 2025

Horário: 14h às 16h30

Local: Praça do Cardoso (ponto de partida da caminhada) – Serra – Belo Horizonte/MG

Formato: Caminhada guiada pelas seis obras instaladas no território

Acesso: gratuito

Classificação: livre

http://www.instagram.com/retratistasdomorro

Exposição a céu aberto no Aglomerado da Serra – relação dos endereços:

GALERIA 01

Local: Rua Jefferson Coelho da Silva, 1089, Marçola, 30220-363 – Praça do Cardoso

Imagem 1:

Afonso Pimenta

Adaílson Pereira da Silva

Baile Soul do DCE (Diretório Central dos Estudantes). Belo Horizonte, MG, 1985

Dimensão: 9 x 6 metros

GALERIA 2 I 3

Local: Rua Jefferson Coelho da Silva, 1130, 30220-363 – Praça do Cardoso

Imagem 2:

Afonso Pimenta

Elana dos Santos

Baile do Italiana. Belo Horizonte, MG, 1985

Dimensão Fachada A: 9 x 6 m

Imagem 3:

João Mendes

Sônia Cristina da Silva

Foto Mendes. Belo Horizonte, MG, 1979

Dimensão Fachada B: 6,10 x 6,10 m 

GALERIA 4

Local: Depósito do Paulo – Rua Serenata, 46 

Imagem 4: 

Afonso Pimenta

Aniversário de 6 anos da Renatinha

Aglomerado da Serra. Belo Horizonte, MG, 1987

Dimensão: 5,50 x 7,40 m

GALERIA 5

Local: Rua Binário, 245, Santana do Cafezal

Imagem 5:

João Mendes

Série Becas

Foto Mendes. Belo Horizonte, MG, dec.1980

Dimensão: 9 x 6,5 metros

GALERIA 06

Local: Rua Binário, 254, Santana do Cafezal

Imagem 6: 

João Mendes

João Cardoso dos Santos

Foto Mendes. Belo Horizonte, MG, 1970

Dimensão: 4 x 4 metros

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Redação

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