Às vésperas de um dos maiores festejos de Salvador, o dia de Iemanjá, comemorado em 2 de fevereiro, a capital baiana perde uma das maiores personalidades da cidade, Alaíde da Conceição, conhecida como Alaíde do Feijão, nome que dá vida ao seu restaurante, localizado no Centro Histórico de Salvador, sofreu uma parada cardiorrespiratória e não resistiu ao quadro, nesta segunda-feira (31).
Segundo a informação divulgada pelos familiares, Alaíde testou positivo para a Covid-19 pela primeira vez em março de 2021. Após permanecer 12 dias internada, a alta foi comemorada não só pela família, como também por amigos e clientes da cozinheira. Alaíde do Feijão testou novamente positivo enquanto se recuperava da doença e realizava o tratamento no Hospital Irmã Dulce.
A morte da personalidade soteropolitana pegou a todos de surpresa e deixa órfão o Movimento Negro baiano, seu restaurante foi reduto de inúmeros artistas e militantes da causa negra, onde aconteceram diversas iniciativas importantes que movimentaram o cenário político e cultural de Salvador. Alaíde da Conceição, a Alaíde do Feijão, iniciada para o inquice Kavungo, pela sacerdotisa Mãe Xagui, no Terreiro Tumbansé, torna-se ancestral e retorna ao Orun, aos 72 anos de idade. Olorun kosi pure!
Quem foi Alaíde do Feijão
Por Guilherme Soares Dias
Todas as terças-feiras em Salvador, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída e administrada pela Irmandade dos Homens Pretos, realiza a Terça da Benção, em que as missas ganham os sons dos tambores. O evento faz com que o Pelourinho, principal ponto turístico da capital baiana, ganhe uma programação especial. O cantor Gerônimo faz seu tradicional show, os blocos afros, como Olodum e Ilê Aiyê aproveitam para ensaiar e promover encontros. O lugar que todas essas pessoas utilizam para se abastecer de comida é o Restaurante Alaíde do Feijão, chefiado por Alaíde da Conceição, 70 anos.
Nessas ocasiões, o restaurante se transforma, a partir das 18h, numa espécie de centro de encontro do movimento negro. A resenha política foi denominada pelos integrantes da “Bancada do Feijão”. Foi nessas reuniões que nasceu o movimento “Eu quero ela”, que pretende lançar uma candidata negra à prefeitura de Salvador, que apesar ter cerca de 80% de população negra, nunca teve um prefeito negro eleito. Alaíde ouve tudo sentada na sua cadeira em meio ao salão. Ela fala mais pelo seu olhar expressivo do que pelas palavras. Mas, vez ou outra, solta frases pontuais e precisas. Todos param para saber o que a matriarca tem a dizer. “O pessoal sempre se reúne aqui em época de eleição. O movimento é muito importante. Nós, pessoas negras, temos que assumir alguma coisa”, afirma ela.
O feijão que Alaíde prepara hoje no restaurante foi ensinado pela mãe, Maria das Neves, que tinha um tabuleiro próximo ao Mercado Modelo e Elevador Lacerda. Desde os 15 anos, ela trabalhava com a mãe no tabuleiro, que assumiu há cerca de 40 anos. Em 1993, ela deixou as ruas e se tornou uma das poucas proprietárias negras de um restaurante no Pelourinho. “Temos muitas dificuldades, o racismo nos atinge de várias formas e acho que tem piorado”, considera. Pergunto se ela sofre preconceito por ser uma mulher à frente de um negócio e ela pontua: “Por ser mulher e por ser negra”. Na última terça (5), ela usava um vestido azul de cetim, turbante colorido e chinelo. Parte do dinheiro recebido dos clientes estava dobrado na mão. Com ele, Alaíde compra café e doce de vendedores que passam em frente ao restaurante.
Mas qual seria o segredo do feijão de Alaíde, que atrai tantos clientes há vários anos? “O tempero. Eu deixo as carnes cozinhando no feijão de um dia para o outro. Isso dá o gosto maior, além disso coloco tempero verde e cominho”, conta, dizendo que o carinho com que a comida é preparada também é importante. Por causa da idade, quem cozinha hoje são as três filhas e sobrinhas.
Na parede do restaurante estão fotos de Alaíde com os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, além de cantores como Margareth Menezes, Luiz Melodia e Compadre Washington. Um quadro homenageia a mãe, que lhe ensinou a “temperar o feijão e a agradecer aos amigos”. Há ainda uma referência a Omolu, o orixá responsável pela terra, pelo fogo e pela morte, que guia a cozinheira. Na entrada, velas e garrafas pedem proteção para Exu, orixá da comunicação, considerado o guardião das casas.
Confira mais em: Quem é Alaíde do Feijão
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